Versículo 10:12
"E agora, Israel, aquilo que D’us te pediu…"
- Talmud, Brachot


Havia entre os chassidim de Rabi Schneur Zalman de Liadi um homem instruído e rico. Consumado erudito de Torá e pensador chassídico, servia devotadamente ao Todo Poderoso e doava generosamente para caridade. Nos seus anos de juventude, este chassid havia sido um aluno de destaque no primeiro chêder de Rabi Schneur Zalman.

Sucedeu então que este chassid perdeu toda sua fortuna, infelizmente, ficando com pesadas dívidas. Além disso, tinha muitos parentes ainda mais pobres, a quem havia prometido providenciar os dotes e as despesas de casamento. As datas dos casamentos já se aproximavam e ele não via uma maneira de honrar suas promessas. Os arranjos para as bodas já estavam prontos para duas de suas filhas, e nem mesmo neste caso, poderia cumprir suas obrigações.

Foi visitar Rabi Schneur Zalman e abriu seu coração, soluçando com dor profunda e genuína:
"Se D’us me escolheu para suportar a pobreza," disse ele, "aceito o Julgamento Divino. Mas como posso aceitar o fato de ser incapaz de pagar minhas dívidas? De não ter condições de manter minha palavra a respeito dos casamentos de minhas filhas e das filhas de meus parentes? Fiz estas promessas ao tempo em que ainda tinha os meios e assim, conforme a Torá, tinha motivos para fazê-las. Porém, se não mantiver minha palavra, será um terrível chilul Hashem (profanação do nome de D’us). Por que," soluçava o chassid, "o Todo Poderoso está me punindo tão severamente, fazendo-me cometer o terrível pecado de profanar Seu santo nome? Imploro, Rebe, interceda em meu favor para conseguir-me a misericórdia Celestial, a fim de que consiga honrar minhas obrigações. Exceto isto, aceito tudo que foi decretado. Rebe," concluiu, "preciso dar aos meus parentes aquilo que prometi! Devo dar a minhas filhas aquilo que prometi!"

Rabi Schneur Zalman sentou-se com a cabeça apoiada nos braços, num profundo estado de conexão com D’us através da meditação. A seu modo, ouvira as súplicas lastimosas do chassid. Após longo tempo, Rabi Schneur Zalman levantou a cabeça e disse com profundo sentimento: "Você fala sobre tudo que você necessita. Porém, nada diz sobre aquilo para o qual você é necessário…"

As palavras de Rabi Schneur Zalman calaram fundo no coração do chassid, que caiu, desmaiado, aos pés do interlocutor. O ajudante do Rebe, Reb Zalman, que estava à porta, convocou dois chassidim da sala ao lado. Juntos carregaram o chassid para fora da sala do Rebe, jogaram-lhe água no rosto, e finalmente conseguiram reanimá-lo.

Quando o chassid abriu os olhos, não comentou nada. Simplesmente aplicou-se ao estudo de Torá e às preces, com energia renovada, e com tal devoção e diligência que esqueceu-se de tudo o mais. Embora não falasse com ninguém e jejuasse todos os dias, vivia num estado de perpétua alegria.

No segundo Shabat da estadia do chassid, o Rebe falou sobre o assunto de tohu e tikun. Tohu (caos), é um estágio anterior à ordem da criação, no qual o fluxo do envolvimento e da presença de D’us era tão intenso que a realidade criada foi incapaz de recebê-la e aceitá-la. As definições de existência simplesmente desapareceram perante esta dose avassaladora de Divindade. Na terminologia da cabalá, era uma existência de "muita luz e receptáculos insuficientes."

Então D’us criou nossa existiencia atual, o mundo de tikun (correção). Aqui, ocorre o oposto – vivemos num mundo de "grandes receptáculos e pouca luz." Nosso mundo é na verdade um receptáculo que contém sua própria luz perante a luz Divina. É um mundo que define, limita e filtra as emanações infinitas de seu Criador. Mas como resultado disso, nosso mundo é escuro, um mundo que oculta, vela e distorce a realidade de D’us.

O propósito da vida, disse Rabi Schneur Zalman, é aproximar o melhor dos dois mundos – encher os grandes receptáculos de tikun com a imensa luz de tohu. Consegue-se isso servindo o Todo Poderoso através do envolvimento da pessoa com o mundo. Nas palavras do profeta Yeshayáhu: "Ele não criou o mundo para o caos, Ele formou-o para conciliar."

Na segunda-feira que se seguiu, Rabi Schneur Zalman chamou o outrora abastado chassid, abençoou-o com sucesso, dizendo-lhe para voltar ao lar e aos negócios. Com o tempo, o chassid reconquistou sua fortuna, honrou suas dívidas e promessas, casou as filhas e voltou à sua filantropia, de forma ainda mais generosa que a anterior.