As manchetes gritam: “A última vítima de Madoff”, e de fato é. Há apenas algumas horas [na data deste artigo] lemos que Mark, casado e pai de dois filhos, enforcou-se em seu apartamento enquanto seu filho ainda bebê dormia no outro quarto.

Não consigo imaginar o quão desesperado, melancólico e sem esperanças este homem deve ter se sentido para tirar a própria vida enquanto seu amado filho de dois anos de idade estava ali. Ele não ficou preocupado de que seu filho pudesse acordar e encontrá-lo? Ele enviou um e-mail à esposa, que estava fora da cidade com seu filho mais velho, alertando-a de que alguém deveria cuidar do bebê, mas e se ela não tivesse visto o e-mail por algumas horas?
Simplesmente acho isso incompreensível. Porém mais uma vez, o desespero geralmente leva a resultados incompreensíveis.

O suicídio é sempre trágico. Sempre devasta o coração. E em última análise é uma punição não para aquele que sentiu não ser digno de viver, mas para todos os sobreviventes que têm de sofrer com a culpa, os “e-se” e a falta de conclusão por uma perda tão grande.

Porém este suicídio em particular não parece como se fosse um castigo indireto para aqueles mais próximos a ele, mas sim algo bastante calculado. De maneira alguma penso que o filho de Madoff tirou a própria vida no dia que completava dois anos desde que seu pai foi preso pelo maior esquema Ponzi da história. O advogado de Mark Madoff deu a seguinte declaração após a confirmação do suicídio:
“Mark foi uma vítima inocente do crime monstruoso de seu pai e sucumbiu a dois anos de pressão incessante das falsas acusações e indiretas,” disse Martin Flumenbaum, um advogado representando Mark e seu irmão Andrew.

Não sei quanto a você, mas eu não sei nada sobre Mark Madoff. Porém sei que só porque o pai dele foi um homem corrupto, desonesto e imoral, isso não torna o filho igual. E sei também que a raiva, amargura e ódio que devem ter sido dirigidos ao filho mais velho de um homem desses não devem ter sido fáceis de suportar e conviver. Obviamente, Mark sentiu que era impossível viver com isso.

O Judaísmo reconhece o poder da fala, tanto em termos de elevar uma pessoa como em destruí-la por completo. Mishlê declara: “Mavet v’chayim beyad halashon” – “Vida e morte estão nas mãos das palavras da pessoa” (18:21). É por isso que há numerosas leis dedicadas a shmirat halashon, guardar as palavras. Além disso, os comentaristas explicam que humilhar publicamente uma pessoa é equivalente a matar aquela pessoa. Pois quando alguém perde o auto-respeito a tal ponto que não pode encarar os outros, isso é comparado a tirar a vida daquela pessoa.

Há apenas algumas semanas lemos na porção Vayeshev da Torá sobre a história de Yehuda e Tamar. Ela estava a ponto de ser executada por um crime que nem sequer tinha cometido. Ela poderia ter se livrado, mas ao fazê-lo causaria grande humilhação a Yehuda. Portanto em vez disso ela deu a ele a oportunidade de falar por si mesmo. Com isso o Talmud explica que a pessoa deve fazer todo o possível para evitar constranger outra.

Um outro caso no qual uma mulher nos ensinou essa lição foi Rachel, que estava para se casar com Yaacov. Seu pai corrupto tentou trocar sua irmã mais velha, Lea, pela noiva. Sabendo que isso poderia acontecer, Rachel e seu noivo combinaram sinais especiais para que ele soubesse que estava desposando a mulher certa. Porém Rachel não pôde seguir em frente com aquilo. Ela não conseguiria fazer a irmã passar pela grande humilhação de ser descoberta sob a canópia nupcial. Não era o plano de Lea casar-se com Yaacov, era de seu pai, então por que ela teria de sofrer ao ser descoberta? Rachel sabia que constranger a irmã daquela forma seria equivalente a matá-la. E assim ela teve o auto-sacrifício de preservar o auto respeito e a vida da irmã.

Mark Madoff entregou seu pai. Jamais foi acusado de qualquer crime, nem há qualquer prova de que era cúmplice ou que sabia das ações do pai. E apesar disso, repetidas vezes foi brutalmente acusado e culpado na mídia. Era um alvo fácil. Seu pai obviamente não se importava com quem poderia magoar nem com o sofrimento que causou. Agora ele está sentado na prisão e não precisa enfrentar todos aqueles cuja vida destruiu. Porém Mark teve de superar o verdadeiro castigo do pai; a fúria e o ódio, dia a dia, que seu pai causou a tantas pessoas.

Bernie Madoff certamente foi castigado hoje. Ele perdeu o filho mais velho e não importa quão impiedoso e frio ele tenha sido, não há dúvida de que o sofrimento e a dor serão devastadores. Mas alguém saiu ganhando? Alguém está satisfeito? Alguém queria que duas crianças pequenas crescessem sem pai, o mais novo sabendo que estava no quarto ao lado enquanto seu pai se suicidava? Será que este menino sempre se perguntará como não foi o suficiente para manter o pai vivo?

Não há dúvida de que todas as pessoas, repórteres, fontes e escritores que atacaram Mark Madoff estavam furiosas. Mas o alvo era realmente Mark Madoff? Ele era merecedor desses comentários? Há um motivo para termos um sistema judiciário. E este se baseia no conceito de que a pessoa é inocente até provar em contrário. Não é culpado até que possa provar sua inocência. E mesmo quando é culpado, é o tribunal que decide o castigo, não o público.

Porém nos dias de hoje não precisamos esperar que o tribunal decida o veredicto de alguém. Através da Blog-esfera, da rede de contatos sociais, e- mails e web podemos fazer um julgamento e dar uma sentença perpétua em questão de segundos. Não é preciso muito para um boato ser espalhado. E mesmo assim, pode levar a vida inteira para a verdade vir à tona e devolver a alguém a merecida dignidade.

Segundo os comentaristas da Torá, a flagrante diferença entre nós e os animais é que temos a capacidade de falar. Os seres humanos são chamados de “medaber”, falantes, pois nossa fala permite que compartilhemos nossos pensamentos mais íntimos e nossos sentimentos com os outros. Somente através da fala somos capazes de nos conectar. Porém jamais devemos nos esquecer como são poderosas as nossas palavras e o impacto que podem causar.

Infelizmente, parece que foi o mal uso da fala que provocou uma pressão infinita e incessante sobre Mark Madoff. Nossas palavras se tornaram o juiz, o júri e o veredicto. E hoje, infelizmente, sem saber e sem querer demos a ele uma sentença de morte.