Entre Yossef e Moshê: “D'us ficou furioso comigo por sua causa, e Ele não me ouviu,” declara Moshê no início da porção dessa semana (Vaeschanan). “D'us me disse: ‘É demais para você! Não continue a falar-me sobre este assunto.’”

Assim, D'us recusa a súplica de Seu fiel servo, Moshê, de ter permissão de entrar na Terra Prometida. Em vez disso, D'us diz a Moshê: “Suba ao topo da colina e levante os olhos na direção oeste, norte, sul e leste, e veja com seus olhos, pois não cruzará este Jordão.”1

O Midrash, que transcreve as tradições orais passadas através das gerações, apresenta um diálogo comovente entre Moshê e D'us:2

Moshê disse a D'us: “Mestre do universo, os ossos de Yossef entrarão na Terra, e eu não?!”

Era isso que ele quis dizer: Na conclusão de Bereshit, Yossef, vice-rei do Egito, pouco antes de morrer, pediu aos filhos de Israel que levassem seus ossos com eles quando deixassem o Egito. Mais de um século depois, quando os escravos judeus embarcaram rumo à liberdade, “Moshê levou os ossos de Yossef com ele, pois ele [Yossef] tinha pedido firmemente aos Filhos de Israel, dizendo: ‘D'us certamente Se lembrará de vocês, e deverão levar meus ossos daqui com vocês.’”3

O caixão de Yossef vagou com os judeus durante sua jornada de quarenta anos pelo deserto. Quando Yehoshua liderou o povo até a terra, os ossos de Yossef foram enterrados na cidade de Shechem,4 conhecida hoje também como Nablus. (O túmulo foi queimado e destruído em outubro de 2.000, no início da Segunda Intifada. Rabino Hillel Lieberman, que foi proteger o loca, foi assassinado. Desde então tornou-se proibido para os judeus visitar o lugar, exceto em determinadas ocasiões.)

Esta foi a ironia sugerida na súplica de Moshê a D'us: Eu fui aquele que carregou os ossos de Yossef durante quarenta anos; porém estes ossos que carreguei durante todo o caminho entrarão na Terra Santa, enquanto eu ficarei para trás!

O que perturbava Moshê, segundo este Midrash, não era tanto ele não ter permissão de entrar vivo na Terra. Moshê podia entender que sua liderança estava reservada para a geração que deixou o Egito e que agora era tempo de seu pupilo Yehoshua assumir as rédeas. A queixa de Moshê era que D'us não permitiria sequer que seus corpo fosse enterrado no solo da Terra Santa! Os restos mortais de Yossef, que morrera 180 anos antes, podem entrar na terra, enquanto o corpo de Moshê, que liderou os judeus durante todo o caminho até a fronteira, não pode entrar?

A resposta de D'us é nada menos que estarrecedora, com essas palavras:

Aquele que reconheceu sua terra, será enterrado na terra; aquele que não reconheceu sua terra, não será enterrado na terra. Yossef reconheceu a terra; Moshê não.

O Midrash cita dois episódios demonstrando a lealdade de Yossef à terra.

O Primeiro Episódio

Aos dezessete anos, Yossef estava vivendo com seu pai Yaacov em Hebron. O jovem e bonito rapaz foi raptado por seus irmãos e vendido como escravo a egípcios. Ali ele conquistou a confiança de seu amo, Potifar, que o colocou encarregado da direção de sua casa, enquanto sua mulher tentava sem sucesso seduzir Yossef a um comportamento imoral.

Um dia quando ninguém estava em casa, a mulher se agarrou a Yossef, exigindo que ele traísse sua moralidade. Yossef fugiu de casa deixando a capa na mão dela. A mulher aproveitou a oportunidade e gritou: “Olhem! Ele [meu marido] trouxe para nós um homem hebreu para mexer conosco; ele veio deitar comigo mas eu gritei bem alto! Quando ele viu que levantei a voz e gritei, ele deixou esta roupa ao meu lado, fugiu e foi embora!”5

Por isso, Yossef foi condenado à prisão. Durante doze anos permaneceu encarcerado numa masmorra egípcia, até que finalmente foi libertado por interpretar um misterioso sonho do imperador egípcio, o faraó, após o que se tornou o vice-rei do país.

Como a esposa de Potifar descreveu Yossef? Como um “homem hebreu” (“Olhem, ele trouxe um homem hebreu para mexer conosco.”) Esta era a característica mais óbvia e visível de Yossef. Claramente, ele nunca disfarçou sua origem; todos sabiam que ele era membro da tribo dos hebreus, vinda da Terra de Israel.

O Segundo Episódio

O segundo episódio ocorreu dez anos depois, ainda na masmorra egípcia. Ali, Yossef interpreta os enigmáticos sonhos de dois assistentes do faraó, o padeiro e o mordomo. O padeiro, prediz Yossef, será executado; o mordomo será libertado e devolvido ao cargo anterior no palácio.

Yossef pergunta ao mordomo: “Se apenas você pudesse me fazer um favor, e mencionar-me ao faraó, e tirar-me deste lugar, pois na verdade fui raptado da terra dos hebreus, e mesmo aqui nada fiz para que eles me colocassem na masmorra.”6

Aqui mais uma vez Yossef proclama sua conexão com a Terra Santa. “Fui raptado da terra dos hebreus.”

De fato, quando o mordomo apresenta o caso de Yossef ao faraó dois anos depois, é exatamente assim que ele descreve Yossef: “Ali [na masmorra] conosco havia um jovem hebreu, um escravo…”7 A primeira característica pela qual ele define Yossef é ele sendo “um jovem hebreu”.

Por que Arriscar sua Liberdade?

Na sociedade egípcia, ser hebreu era motivo de vergonha.8 Talvez seja este o motivo pelo qual a esposa de Potifar, quando tentava ganhar credibilidade para a sua versão da história de que Yossef tentara violá-la, o tenha definido primeiro e acima de tudo como um “homem hebreu”. Ela sabia que isso ajudaria seu caso. Quando as pessoas ouvissem que ele era um judeu, acreditariam no mau comportamento atribuído a ele. O judeu é capaz de tudo…

E Yossef tornou conhecido o fato de que era hebreu, morador de Israel. Se disfarçasse isto, talvez lhe fosse permitido integrar-se na sociedade egípcia, mas aquilo significaria mentir para si mesmo e ao mundo. Que tipo de vida é esta?

Anos depois, enquanto sofria na prisão, tentando ganhar as graças do governante egípcio para libertá-lo de seu sofrimento, teria sido mais lógico para ele ocultar sua verdadeira identidade. Por que diria ele ao mordomo: “Fui raptado da terra dos hebreus” colocando toda sua liberdade em risco?

Além disso, como pode Yossef definir a terra como “A terra dos hebreus”? Naquele tempo, a terra abrigava 31 reinos, consistindo de tribos grandes e poderosas, ao passo que os hebreus não passavam de 70 membros,9 e moravam em parte de uma cidade, Hebron?

Uma Conexão Orgânica

Qual é a conexão entre o povo judeu e a Terra Santa, tanto no passado quanto no presente? É meramente nacional: os judeus residem em Israel e naturalmente são cidadãos do país, portanto estão naturalmente conectados a ele. Não! Pelos últimos 2.000 anos, os judeus têm sido exilados e dispersos por todo o globo, porém ainda falam sobre Erets Yisrael como seu lar; eles clamam por ele como seu epicentro espiritual. Era o âmago de seus anseios, sonhos e aspirações.10

Por 2.000 anos, os judeus têm rezado três vezes ao dia na direção de Israel; ele têm implorado a D'us que os devolva à terra deles; têm concluído todo Seder e serviço de Yom Kipur com a declaração: “No próximo ano em Jerusalém!” – eles têm jejuado todo ano, sem falta, no dia que assinala o começo do seu exílio de Israel.

Por quê? Se fosse meramente uma obsessão nacionalista, teria diminuído com os dois milênios vivendo em outros locais.

A resposta a este enigma tem sido articulada em incontáveis obras de filosofia e misticismo judaicos:11

Todo e cada judeu, tanto secular quanto observante, está organicamente ligado à terra de Israel. Israel para o judeu não é meramente uma nacionalidae; é o lar da consciência interior judaica: a alma judaica está enraizada na energia que vibra na atmosfera de Erets Yisrael.

O judeu do Século X prosperando no Reno, o judeu do Século XVI caminhando pelas ruas da Cracóvia, o judeu do Século XX lutando na Moscou comunista, e o judeu do Século XXI bebericando café numa Starbucks do Soho – cada um deles sabia e ainda sabe, de maneira consciente ou subconsciente, que sua alma está conectada de forma inerente com Erets Yisrael. Talvez ele nunca tenha visitado o território físico, mas ainda é o seu lar. Como? Porque sua alma originou-se ali, e foi meramente levada à Diáspora, a fim de imbuí-la com a santidade de Erets Yisrael.

Yossef foi um escravo, depois um prisioneiro. Estava morando no Egito e impotente para mudar essa situação. Por fim, ele se tornaria o primeiro ministro do país. Porém aquilo era apenas seu corpo; sua alma ainda estava vivendo em Erets Yisrael. Assim, ele jamais se sentiu envergonahdo de permanecer fiel a si mesmo e declarar a verdade: estou morando no Egito, mas uma parte de mim jamais deixou a Terra Santa. Talvez algum dia eu venha a amar o Egito, mas Erets Yisrael sempre permanecerá sendo meu lar. Porque é o lar.

Um Com a Terra

Agora voltemos nossa atenção a Moshê.

Após sua fuga da espada do faraó, Moshê passou algum tempo no poço de Midyan. Ali, o menino judeu que cresceu no palácio egípcio resgatou as sete filhas de Yitrô dos pastores que as estavam incomodando, e deu água às suas ovelhas. Quando as filhas chegaram em casa e o pai perguntou-lhes como tinham conseguido chegar tão depressa, elas responderam: “Um homem egípcio nos salvou dos pastores e até tirou água para nós e para as ovelhas.”12

“Um homem egípcio” foi a maneira pela qual descreveram Moshê. Em outrsa palavras, Moshê permitiu-lhes ter a impressão de que ele era egípcio. Moshê não necessariamente lhes disse que era egípcio; ele apenas não protestou contra a impressão delas de que ele o era.

Yossef, conclui o Midrash, abraçou sua terra, portanto foi enterrado ali; Moshê não o fez, portanto permaneceu fora dela.

Isso não era um castigo. Moshê, podemos estar certos, tinha bons motivos para seu comportamento. (Moshê enfrentou a superpotência de seu tempo, portanto claramente não sofria de auto-rejeição judaica, nem estava temeroso de parecer “judeu demais”. O motivo para ele se comportar assim está além do alcance desse ensaio.) Mesmo assim, para ser merecedor da Terra de Israel, você precisa ser um só com ela.

A Crise Moderna

Nos anos recentes,, alguns de nossos irmãos têm perdido contato com o senso inato imbuído no coração de nosso povo durante quatro milênios. Começamos a questionar nosso direito àquele pequeno território no Oriente Médio, cercado por centenas de milhões de muçulmanos. A Declaração Balfour, de 1917 e a resolução de 1947 da ONU tornou-se para muitos a única base para o nosso direito de estabelecer o Estado de Israel.

Os vizinhos de Israel, agudamente cônscios dessa mudança de tom na moderna cultura israelense, aproveitaram esse enfraquecimento da conexão judaica com Israel para construir seu exércitos com o objetivo de derrotar o país. Em vez de dar aos terroristas um golpe total no momento em que o terror mostra sua feia cabeça, Israel foi consumido pela dúvida quanto à própria legitimidade em conquistar a “terra árabe”. Israel tem um exército forte, mas seus líderes perderam grande parte de sua convicção, confiança e paixão.

Agora Israel foi horrivelmente despertado de mais de uma década de ilusões. O sonhos de que concessões, uma retirada dos territórios ocupados em 1967, a criação de um estado palestino com sua capital a leste de Jerusalém criará um clima de paz, tragicamente se transformou num pesadelo. Esperávamos que a saída de Israel teria se provado correta, mas não foi este o caso. O país que estava relativamente seguro no meio da década de 1980 tem, seguindo os acordos do Tratado de Paz de Oslo, se transformado num banho de sangue. Milhares de judeus e árabes inocentes perderam a vida no processo.

Neste momento decisivo, devemos reclamar nosso senso interior de unidade e propósito, imbuído nnas profundezas de todo coração judeu. A Terra de Israel é realmente a terra do povo judeu. Não se trata de ocupação; trata-se de realidade. A alma judaica está conectada por um milhão de cordões ao território de Erets Yisrael; é uma conexão inerente, codificada no próprio DNA do universo.

Nos últimos 4.000 anos a Torá jamais nos desapontou. Nem uma vez sequer. Podemos confiar em sua verdade, também: a terra é um presente de D'us ao povo judeu.

Yossef foi um homem do mundo. Ele caminhou pelos corredores das Nações Unidas e do Departamento de Estado. Foi um cidadão leal e fiel do Egito, contribuindo imensamente com seu crescimento econômico e salvando-o da fome. Porém ele nunca hesitou em dizer a verdade” que Israel era o lar eterno do povo judeu, dado a eles como um presente do Criador do céu e da terra.

Hoje, todos nós precisamos ser Yossefs.