Cá entre nós, eu detesto ser chamado de religioso. Parece tão tedioso e pejorativo.
Lembro-me de uma pessoa que certa vez me disse o quanto me invejava. "A vida para você é tão simples" – disse ele. "Sua religião lhe diz o que fazer e o que não fazer, e lhe dá todas as respostas."
Puxa, quisera eu.
Ficar desanimado pelo fato de estar constantemente no meio de um conflito é fingir que eu sou algo mais do que realmente sou.Mas na verdade, é isso que a palavra "religião" traz à mente: algo um tanto antigo e sóbrio, talvez até um tanto mal-humorado. Alguma coisa calma e pacífica, quase morta e nunca em movimento. E portanto rejeito o título de "religioso". Sou apenas um sujeito que se parece com uma pessoa religiosa.
Então, o que eu sou?
Bem, na verdade, a vida para mim se parece mais com um campo de batalha que com um serviço de prece, e minha realidade interior é mais de guerreiro que de alguém piedoso. Portanto, se eu tiver de rotular-me de alguma forma (algo que eu procuro evitar), diria que sou um "guerreiro espiritual". E aqui está o que isso significa para mim.
Um guerreiro é aquele que entra no campo de batalha com uma saudável dose de medo e uma dose ainda maior de amor. Ele luta por um princípio ou pelo seu rei, e seu amor por eles sobrepuja o medo que sente pela própria segurança. Ele precisa de coragem e talento, pois está arriscando sua própria vida. Um guerreiro ama o campo de batalha; é ali que se sente mais vivo. Deve agir o tempo todo com plena consciência e habilidade; até o menor lapso pode provocar sua queda.
O campo de batalha faz surgir no guerreiro capacidades e potenciais que ele nem sequer suspeitava existirem dentro de si. E assim, ao lutar, ele está num estado constante de auto-descoberta.
O verdadeiro guerreiro anseia pelo campo de batalha, pois o resto da vida parece, em comparação, um local onde ele consegue apenas concretizar uma pequena parte daquilo que ele é. Portanto, anseia pelo desafio e pelo confronto. Adora viver por um fio. É ali que ele é mais ele, e onde descobre que, na verdade, é mais do que pensa ser.
Viver como judeu e como chassid é esta experiência. É um encontro com o Todo Poderoso e comigo mesmo. É o local da auto-descoberta e do desafio. Exige a bravura de enfrentar quem eu sou e quem não sou. É preciso disposição para ver o potencial de quem eu posso ser, e enfrentar a pequenez de quem eu me permito ser.
Quando eu estou vivendo de modo judaico, estou vivendo no limite. Estou numa terra de ninguém, onde cada encontro, cada momento, apresenta uma chance de aprender, de agir, de refinar e transformar. Às vezes, como o Rei Arthur, estou lutando contra dragões interiores e exteriores; ou desafiado por feras que ameaçam me devorar com sua fúria e temor; às vezes estou lutando pela minha própria sanidade, tentando reconciliar o mundo real com um mundo que não pode ser visto, ouvido ou tocado.
Como guerreiro espiritual, quando sou abençoado por estar vivendo no meio do campo de batalha, eu estou plenamente vivo, lutando no limite daquilo que eu sou. Não importa se estou em prece, dando um banho no meu filho, ou sentado trabalhando no computador. O campo de batalha inclui meus relacionamentos pessoais, meus desejos interiores, mina conta bancária estourada, e minha constante falta de sono. Abrange meu casamento e meu emprego. Minha frustração, paciência, inveja, luxúria e ganância. É um estado de espírito, uma disposição de encontrar D’us em todos os lugares e de encontrá-Lo plenamente, permitindo-Lhe penetrar nos mais profundos recessos de quem eu sou, e descartar todas as imagens de quem eu penso que sou.
A cada vez, e há muitas dessas vezes, que eu confronto o imperativo daquilo que devo fazer com a relutância daquilo que eu quero fazer; a cada vez que eu devo transformar pensamentos e atitudes formadas durante anos de vida e condicioná-las em pensamentos sagrados e atitudes sagradas, eu estou no campo de batalha.
Seja ao doar algumas moedas para caridade, ou aceitando uma responsabilidade adicional, ou oferecendo ajuda a um amigo ou a um "inimigo" quando mal consigo me manter acordado, estou no campo de batalha. Quando a tragédia atinge a minha família, D’us não o permita, e preciso descobrir uma maneira de expressar minha dor e ao mesmo tempo permanecer consciente do bem que eu sei que D’us concede ao mundo, estou sendo um guerreiro espiritual. Desta forma, descubro minha fé quando estou nos limites da minha fé. Encontro meu amor a D’us quando estou furioso com D’us. Encontro minha confiança no Protetor do mundo nos momoentos em que estou mais assustado. E descubro minha obediência ao Todo Poderoso quando me sinto mais rebelde.
Sou um guerreiro espiritual quando sinto plenamente o meu desespero, e encontro a esperança para seguir em frente. Quando me sinto traído, e mesmo assim descubro minha confiança.
Quando subo mais alto do que deveria, então fracasso e caio, apenas para descobrir que aterrissei num ponto mais alto do que aquele de onde eu subi.
Neste campo de batalha chamado Yiddishkeit, sou esticado até o limite somente para descobrir que o meu limite não é aonde eu pensava que era. Estou vivo e crescendo, mudando, em constante processamento. Assustado e empolgado. Ansiando pela vitória e não tendo a menor idéia do que isso significa.
Para mim, todo o resto, como diz Rabi Shneur Zalman de Liadi no seu Tanya, é conceito. Ficar desanimado pelo fato de estar constantemente no meio de um conflito é fingir que eu sou algo mais do que realmente sou. É fingir que sou um tsadic, um dos poucos justos que eliminaram o negativo dentro de si mesmos, quando na verdade eu posso apenas aspirar, nos meus melhores momentos, ao nível de beinoni, o guerreiro espiritual no campo de batalha da vida.
O Tanya nos diz para alegrarmo-nos quando somos desafiados interna ou externamente, porque esta é a nossa tarefa: entrar no campo de batalha. Nós somos, assim me parece, como soldados que treinaram incansavelmente para a batalha, e gritam alegres quando finalmente chega o momento de testar suas habilidades e encontrar o verdadeiro material de que são feitos.
E este é o desafio do guerreiro espiritual: encontrar o material de que é feito, goste ou não, e entrar de cabeça na luta consigo mesmo e em seu encontro com D’us.
Acho esta batalha apavorante, porque não sei aonde ela levará. Isso me força a abrir-me para D’us e permitir que Ele entre nos mais recônditos confins do meu ser. Isso me força a confrontar a questão pungente: se eu realmente deixar D’us entrar, o que Ele fará comigo quando estiver aqui? Quem eu serei? O que o mundo se tornará? E qual é meu lugar e propósito dentro dele?
Religioso? Eu? Dificilmente. Uma vida de Torá não é lugar para uma pessoa religiosa. A religião é segura demais para uma jornada como esta, ao desconhecido, até um local de encontro com D’us. Somente um guerreiro pode abraçar tamanha missão. Somente um chassid do Rebe pode ter a esperança de possuir tamanha coragem.
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