O grupo de Leningrado, dedicado ao objetivo de resgatar o Rebe, decidiu continuar desenvolvendo esforços até conseguir sua liberdade total. Resolveu-se apelar ao fiscal-general-chefe soviético, Carlinco, a fim de obter clemência para o Rebe. O grupo achava que os esforços da destacada e influente Madame Peshcova, somados às intensas pressões políticas de outros países, exerceriam grande influência nesta questão. Decidiu- se que Rabino Shemaryáhu Gourarie, genro do Rebe, viajaria a Moscou e discutiria sobre o caso com o grupo de resgate ali estabelecido.

Na reunião do grupo em Moscou chegou-se à conclusão de que antes de reunirem-se com Madame Peshcova e de apelar ao fiscal-general-chefe, era conveniente examinar que possibilidades de êxito teria tal iniciativa. Em resposta a essas indagações, foram aconselhados que aguardassem uns seis meses antes de prosseguir com tais esforços, uma vez que a G.P.U. resistiria energicamente a qualquer propósito de obter plena anistia depois de haver perdido tanto prestígio em relação a essa questão, até aquele momento. Seria considerado um desafio aberto, um verdadeiro acinte por parte do grupo religioso, se este apresentasse uma petição de liberdade total apenas uma semana após o Rebe ter sido enviado ao exílio, o que seria humilhante para a própria G.P.U.

Apesar deste conselho, o grupo decidiu continuar com suas atividades. Novamente procurou a ajuda de Madame Peshcova que, por sua vez, continuou desenvolvendo esforços nesse sentido. Um ajudante judeu de Madame Peshcova viajou a Leningrado para entrevistar-se com Messing, chefe da G.P.U. de Leningrado, a fim de convencê-lo de que modificasse sua posição e não obstruísse os esforços em prol da obtenção da liberdade do Rebe.

Messing, que na realidade havia sido o responsável pela prisão do Rebe, negou-se a escutar. “Não há qualquer esperança de reduzir a sentença” - respondeu.

Quando lhe pediram que justificasse sua posição, respondeu que se temia uma onda de anti-semitismo. “Muitos sacerdotes e clérigos de fé cristã e islâmica” - disse ele - “foram presos e enviados ao exílio, e nenhum deles foi libertado. Se puserem o Rebe em liberdade, produzir-se-á um escândalo e o povo dirá que todo este assunto está sob o controle dos judeus.”

Um aspecto irônico dessa posição se constituía no fato de que se sabia que Messing era um anti-semita fanático. Messing também ameaçou, dizendo que mesmo quando Moscou desse a ordem de liberdade total, ele a revogaria. E se o Rebe regressasse a Leningrado, ele acharia um novo pretexto para tornar a encarcerá-lo. O emissário de Madame Peshcova regressou com esta resposta negativa.

O grupo de Moscou não se deixou intimidar pela resposta obstinada de Messing, e decidiu continuar desenvolvendo esforços até conseguir a liberdade total e incondicional do Rebe. Entretanto, era evidente que o retorno do Rebe a Leningrado seria perigoso, em razão do poder absoluto de Messing. Enquanto isso, Madame Peshcova prosseguiu com intensas tentativas, empenhando- se em exercer influência entre as mais altas esferas dos funcionários públicos soviéticos, e que finalmente viram-se coroadas de êxito.

Na terça-feira 12 de Tamuz (data que coincidiu com a de nascimento do Rebe em 5640, 1880), o Rebe apresentou-se ao quartel-general da G.P.U. acompanhado de Rabino Althaus, cumprindo sua apresentação semanal obrigatória.

O funcionário local da G.P.U. cumprimentou-o cordialmente e informou-o que estava livre: “Você esta liberado totalmente da necessidade de voltar a apresentar-se. Tenho ordens de deixá-lo em plena liberdade, e considero um privilégio pessoal ser o primeiro a informá-lo sobre sua total anistia.”

Rabino Althaus se emocionou intensamente; seu rosto passou do vermelho escuro ao branco mais pálido e voltou a tornar-se avermelhado. O Rebe teve que acalmálo, e ajudá-lo a recompor-se.

Era um dia de feriado em Costroma e o escritório da G.P.U. estava fechado; por isso o Rebe não recebeu o certificado de libertação até o dia seguinte.

A notícia da libertação do Rebe se propagou com a velocidade de um raio. Antes mesmo de regressar à casa do shochêt, a notícia já havia se espalhado. Lá chegando, o Rebe pôde observar um espetáculo pouco comum e comovedor: o chassid, Reb Michael Dworkin dançava ao redor da casa, enquanto segurava em uma mão uma garrafa de vinho e cantava com muito sentimento uma melodia em russo: “Nada existe além de D-us.” O pequeno filho do shochêt dançava dando cambalhotas pela casa e agitava os pés no ar com as mãos firmemente apoiadas no chão.

Em 14 de Tamuz, às nove horas, o Rebe deixou a cidade de Costroma como um cidadão livre e na sexta-feira, dia 16, regressou a Leningrado, acompanhado de dois emissários, especialmente escolhidos pela comunidade judaica de Costroma. Levando em conta o perigo mencionado anteriormente estava previsto apenas uma breve estadia em Leningrado.

No mesmo dia de sua libertação, em 12 de Tamuz, um grande grupo de judeus reuniu-se em sua casa em Costroma e o Rebe pronunciou um discurso chassídico de Torá (Maamar) que começa com as palavras: “O Eterno me ajudou… (Tehilim 118:7).

No dia seguinte, após receber o certificado de libertação, o Rebe pronunciou o Maamar “Bendito seja Ele, que favorece com atos de bondade a quem não os merece diante de um grande número de pessoas novamente reunido na casa. Após seu regresso a Leningrado, o Rebe foi chamado à Torá (na leitura de Parashat Pinechas) e recitou Bircat Hagomel - bênção que se pronuncia após ser salvo de situações perigosas. No kidush posterior ao Serviço Matinal, o Rebe pronunciou outro Maamar que começou com o mesmo versículo dito em Costroma, desta vez detalhando e explicando mais extensamente os conceitos expressos no primeiro discurso.

Na refeição de Shabat, que se celebrou também como seudat hodaá (banquete de graças) que, segundo a Lei Judaica, deve ser comemorado quando se escapa de um perigo, o Rebe pronunciou outro Maamar: “Elevai vossas mãos em santidade” (Tehilim 134:2). (Estes discursos foram posteriormente impressos.) Em uma carta relacionada com estes acontecimentos, o Rebe escreveu: “O grande clamor na Terra, as orações e súplicas através da recitação de Tehilim dia e noite em centenas de cidades, e a proclamação de dias de jejum foram ouvidos nos mais elevados Céus e D-us influenciou o coração dos juízes para que moderassem o veredito.

Durante os dez primeiros dias de minha prisão, os mais elevados níveis de governo deste país, assim como os funcionários mais destacados de países estrangeiros, se inteiraram de minha detenção. Pelo visto, essa influência do exterior teve considerável repercussão sobre os dirigentes deste país na adoção de sua decisão final.”

Muitos anos depois, em 12 de Tamuz de 5705 (1945), o Rebe afirmou: “Estive preso durante dezenove dias. Nesse tipo de situação, se está sujeito à condenação de controlar os olhos, selar os ouvidos e privar-se de falar. Naquele período de minha vida, perdi totalmente o sentido de gratificação que se obtém dos objetos materiais, não apenas temporariamente, mas para sempre. Então, deixei por completo de pensar em mim.

O que podia pensar sobre mim mesmo, enquanto via-me enfrentando constantemente a fragilidade da vida?

Ouvia as súplicas dos prisioneiros que rogavam pela vida, para serem fuzilados dez minutos depois. Pensei, nessa ocasião, que a decomposição inicial de uma semente é uma necessidade preliminar para que logo possa florescer e crescer. Jamais me senti só; sempre estive consciente do fato que possuía veneráveis antepassados: meu pai, meu avô, meu bisavô, e todas as luminosas e santificadas figuras cuja coragem e mérito perdurarão eternamente.