Quando a execução foi reportada ao rei, sua ira finalmente arrefeceu. A calma desceu sobre o palácio em Shushan.

Achashverosh voltou-se para a Rainha Ester e disse: "Fiquei furioso hoje, mas minha fúria não se dirigia a você. Como prova do respeito que lhe tenho, ofereço-lhe o controle das propriedades de Haman, bem como poder total sobre sua esposa e filhos."

Ester sentiu-se aliviada pela oferta do rei. Não tinha interesse nas riquezas que recebera. Tinha em mente algo muito mais importante. Embora Haman estivesse morto, o decreto havia sido divulgado. Ali mesmo em Shushan, muitos não-judeus já estavam afiando as espadas.

"Certamente, todos serão informados do gesto do rei" – pensou Ester, esperançosamente. "Concedendo-me o controle de sua família e de seus bens, o rei indica que todas as propriedades e poderes de Haman estão em minhas mãos. Agora que o povo sabe que sou judia, certamente ninguém ousará fazer mal a nenhum judeu."

Ester contou ao rei que Mordechai, seu primo, a tinha criado e cuidado desde a mais tenra infância. O rei ficou impressionado e convocou Mordechai para uma audiência especial.

Ester foi cuidadosa em não pedir qualquer privilégio especial para Mordechai. Se o fizesse, o rei poderia suspeitar que havia forjado tudo para este fim.

Ester percebeu que ainda jogava uma partida perigosa, e que teria que ser muito cuidadosa ao lidar com o rei. O decreto ainda não fora cancelado e sua missão ainda não terminara.

O rei Achashverosh havia chamado Mordechai ao palácio para algo mais que uma conversa amena. Estava preocupado que Mordechai pudesse ser assassinado como vingança pela execução de Haman.

"Sugiro que permaneça no palácio até que as forças de Haman sejam derrotadas" – instou o rei.
Mordechai agora tinha livre acesso ao rei, pela própria vontade do monarca. A lei, ordenando que ninguém poderia ir até o rei sem convite, foi revogada. Haman sugerira a lei originalmente para impedir que Vashti implorasse por sua vida. Continuou a insistir em sua validade por suspeitar que Ester se aproximasse do rei para suplicar clemência para os judeus. Agora que Haman estava morto, a lei foi cancelada e Mordechai podia falar ao rei sempre que desejasse.
O rei, por sua vez, teve amplas oportunidades de reconhecer a inteligência e as qualidades pessoais de Mordechai. "Agora que meu antigo Primeiro Ministro está morto, posso ver que Mordechai preenche o cargo perfeitamente" – pensou o rei. "Além disso, merece uma recompensa por educar uma criança e fazê-la digna de ser rainha."

Ester também quis dar a Mordechai um penhor de sua gratidão. Transferiu-lhe todos os direitos sobre a família de Haman e nomeou-o curador de suas propriedades. Ester instruiu-o também a distribuir a fortuna de Haman aos judeus, como pagamento pelos danos que sofreram por causa dos decretos de Haman.

Embora o rei fosse receptivo a seu desejo e tivesse agido generosamente em relação a Mordechai, Ester percebeu que não seria prudente fazer mais pedidos de imediato. Temia que o rei não consentisse. "Já me deu o controle sobre a família e os bens de Haman. Talvez aproveite isso como desculpa para não me conceder mais favores" – preocupava-se. "E se o decreto de Haman não puder ser cancelado?"

Decidiu esperar por mais dois meses antes de abordar o rei para novos pedidos. Enquanto isso, instruiu os judeus a jejuar, a arrepender-se e a implorar a D’us por misericórdia. Pediu que rezassem para que o rei desse ouvidos a ela e revogasse as cartas que ordenavam a morte dos judeus.

Ester passou muitos longos dias e noites insones, rezando e suplicando a D’us que salvasse Seu povo. Finalmente, procurou o rei. Sabendo que não seria fácil convencê-lo, jogou-se a seus pés, soluçando e implorando.

"Por favor, Majestade" – chorou amargamente, o corpo sacudido por soluços – "meu povo está atemorizado. Todos os dias nossos inimigos nos provocam, dizendo: ‘Amanhã, vou matá-lo e apossar-me de suas propriedades.’ Haman está morto, mas seus planos perversos estão bem vivos. Seu decreto contra os judeus ainda é vigente. Imploro, Majestade, cancele o decreto!"

O rei estava num dilema. Era impossível revogar o decreto! Seria contra todos os precedentes! A lei persa dizia que tudo que fosse escrito em nome do rei e selado com o anel de sinete não poderia voltar atrás. Mesmo assim, não suportava ver sua amada rainha chorando tão desesperadamente.

Lentamente, acenou com o cetro dourado para Ester, um sinal de que deveria erguer-se e falar-lhe sem temor. Encorajada pelo gesto do rei, levantou-se para apresentar seu pedido. Proferiu uma prece ardente a D’us antes de continuar sua súplica em favor do futuro de seu povo.

"Majestade, peço que atenda meu pedido apenas se for correto e apropriado para si. Se encontrei mercê em seus olhos, imploro seu consentimento. Entendo que a suspensão do decreto deva ser feita de acordo com a lei persa. Por isso, ordene o recolhimento das cartas contendo o perverso plano de Haman."

O rei hesitava. "Posso fazer um anúncio oficial para este fim" – concordou.

"Um anúncio não será suficiente. Pode ser esquecido; e quando chegar a hora marcada por Haman, o povo o ignorará" – argumentou Ester.

"Revogar um decreto assinado e selado é muito difícil" – protestou o rei.

"Eu sei, mas há uma brecha. O verdadeiro mandado real estabelece apenas que o povo deve se preparar para o dia designado. As cartas, dizendo que aquele seria o dia do extermínio dos judeus, foram expedidas apenas para os governadores. Estas cartas não contêm o selo real. Por isso, legalmente pode alegar que as cartas aos governadores não eram documentos reais, mas apenas a palavra de Haman."

O rei refletiu um pouco, mas ainda não estava totalmente convencido. "Ainda faltam muitos meses para o dia 13 de Adar" – disse ele.

Ester desmanchou-se em lágrimas. "Como posso suportar uma ameaça dessas proporções pairando sobre meu povo?" – soluçou. "A essa altura, muitos inimigos dos judeus já sabem do decreto, e estão matando judeus em algumas das províncias mais distantes."

"Estou numa posição muito difícil" – explicou o rei. "É óbvio que desejo salvar o povo de minha rainha. Porém, se eu tentar cancelar as cartas, explicando em detalhes a situação, causarei grande prejuízo ao império. Serei acusado de favoritismo. Meus súditos podem até se rebelar."

O rei tinha em mãos um complicado problema legal. As cartas não podiam ser simplesmente anuladas, e as necessárias etapas legais para mudar seu impacto seriam complicadas. Seria necessário convocar a mente mais arguta do império para resolver o assunto, e isso significava Mordechai. Este foi chamado, e o rei consultou-o.

Mordechai respondeu: "Conforme a lei, se um ministro real expede um edito e então é legalmente executado, este edito está automaticamente invalidado. Por isso, o principal é informar ao povo em todas as províncias que Haman foi executado. Isso impedirá que aqueles que odeiam os judeus levantem a mão contra eles."

Mordechai e o rei consideraram outras possibilidades. Poderiam dizer ao povo que o rei ordenara a Haman que fizesse uma proclamação, dando aos judeus permissão para matar os inimigos em 13 de Adar. Haman teria mudado o fraseado da proclamação, dizendo que os judeus deveriam ser mortos por seus inimigos – em persa as palavras são muito parecidas – e o rei havia assinado sem ler cuidadosamente. Quando o monarca descobrira a troca de palavras, mandara enforcar Haman.

Um plano alternativo seria dizer toda a verdade. Haman mentira sobre os judeus e convencera o rei de que eram seus inimigos. Confiando em Haman, o rei havia assinado o decreto.

Finalmente, decidiram que seria melhor não anular as cartas mandadas por Haman. Em vez disso, um novo mandado seria expedido, dando aos judeus autoridade para se reunirem, defenderem-se, e matar quem quer que os atacasse. Os governadores também receberiam instruções para apoiar os judeus. Dessa maneira, os judeus seriam salvos sem o cancelamento formal do primeiro decreto.

No mínimo, um segundo decreto confundiria os inimigos dos judeus. Afinal, uma ordem fora expedida dizendo que os judeus seriam mortos, e agora outra seria emitida, dando aos judeus permissão para se defenderem. Como a intenção do rei não ficaria clara, muitos pensariam que a atitude mais segura seria não fazer nada.

O rei Achashverosh instruiu Mordechai a redigir uma proclamação que ele, o rei, assinaria e selaria. Foram feitas versões em todos os idiomas falados no império.

As cartas explicavam que o rei daria permissão para que os judeus em todas as cidades se organizassem para se defender de seus inimigos. Mordechai insinuava ao povo judeu que deveriam esforçar-se para viver em paz, e que se reunissem apenas para guerrear em autodefesa. O principal seria a união. Os judeus deveriam se reunir e tirar a limpo suas diferenças. Quando todos os judeus estivessem juntos, D’us os ajudaria a superar qualquer obstáculo ou inimigo. Embora o rei desse aos judeus permissão para se apossarem das propriedades dos inimigos, Mordechai proibiu-os claramente de fazê-lo.

As cartas especificavam que os judeus se preparassem para a autodefesa no dia 13 de Adar. Embora os judeus pudessem ter atacado seus inimigos mais cedo, pois sabiam quem eram os adversários, deveriam esperar até o último instante para dar-lhes uma chance de se arrependerem. Haman havia escolhido 13 de Adar porque, astrologicamente, este parecera ser o pior dia possível para os judeus. Em vez de fazê-lo o dia da derrota dos judeus, Mordechai queria que fosse o dia de sua maior vitória.

Mordechai mandou o novo decreto pelos mesmos mensageiros que haviam entregue o de Haman, porque não queria que os governadores questionassem a veracidade da nova proclamação. Os mesmos mensageiros poderiam explicar que o decreto anterior fora invalidado, e os governadores perceberiam que as novas cartas eram genuínas. Muitos desses estafetas haviam acabado de voltar de longas viagens a distantes províncias, quando receberam ordens de iniciar viagem novamente.

"Os judeus têm vivido em pânico; e quanto mais cedo a mensagem chegar, melhor" – declarou Mordechai.

"Mas os mensageiros e os cavalos estão exaustos" – reclamou o zelador do estábulo.
"Então providencie camelos dos estábulos reais" – disse Mordechai. "Camelos podem viajar grandes distâncias sem parar para comer, beber ou descansar."

Os estafetas puseram-se a caminho a toda velocidade, a fim de levar a palavra do rei às províncias e dar aos judeus ampla margem de tempo para se defenderem.

Mensageiros especiais também foram enviados a todos os governadores. Se acaso alguém atacasse com armas os judeus, os governadores tinham ordem real de vir em seu auxílio.