Quando terminou o desfile, Mordechai voltou ao San’hedrin, que estava reunido no Portão do Rei, e removeu os trajes reais. Vestindo aniagem e cinzas, continuou com o jejum e as preces. Também pediu a todos os outros judeus que fossem às sinago-gas para rezar.

Na verdade, Mordechai estava um tanto temeroso sobre a honra que havia recebido. Disse ao povo agrupado: "Tinha esperança de conseguir uma audiência com o rei para suplicar-lhe que revogasse o decreto. Mas não fui levado ao palácio, e o rei já me pagou por salvar-lhe a vida. Nossa única salvação agora é rezar a D’us."

Enquanto isso, Haman, deprimido pela perda da filha favorita e profundamente envergonhado pelo vexame público, tentava ir para casa o mais rápido possível. Ninguém parecia reconhecê-lo, e a multidão que assistira ao desfile colidia com ele por onde quer que tentasse passar.

Haman tinha vergonha de contar seus problemas aos amigos. Trocou confidências com a mulher, mas as péssimas notícias haviam se espalhado rapidamente. A família e os amigos tentaram confortá-los, mas estavam tão abalados que não conseguiam pensar direito. Além disso, seu conselho original não havia produzido frutos, e estavam assustados.

Finalmente, alguns poucos homens mais sábios reuniram coragem para falar; porém, antes que pudessem revelar seu plano, os guardas do rei chegaram para apressar Haman para a segunda festa. Vendo a confusão estampada nas faces da mulher e dos amigos, o próprio Haman tentou confortá-los. Disse: "Não se preocupem pelo que aconteceu hoje. Ainda pretendo enforcar Mordechai. Escapou de mim por esta vez, mas não o fará novamente. O que houve foi apenas questão de azar, e minha sorte não pode ser ruim para sempre. As estrelas agora estão sorrindo para os judeus, mas da próxima vez sorrirão para mim." Levantou a cabeça arrogantemente.

Sua mulher e amigos, entretanto, não se convenceram. Com pesar nas vozes, replicaram: "O que diz pode ser verdadeiro sobre todas as outras nações, mas não dos judeus. Seu destino não é determinado pelas estrelas. Em sua Torá, são comparados tanto ao pó como às estrelas. Algumas vezes, são baixos como o pó; subitamente, podem ser elevados tão alto como as estrelas. Se Mordechai é um verdadeiro descendente desses judeus da Torá, uma vez que você começou a sua queda diante dele, com certeza morrerá."

Empurrado pelos guardas do rei, Haman não teve chance de responder. "Corra! Corra!" – diziam os guardas. Obviamente, os dias de respeito a Haman eram parte do passado. Agora, todos no palácio sentiam que ele era um homem marcado. Os soldados empurravam-no para a frente, dizendo com rudeza: "Que falta de educação deixar o rei e a rainha esperando. Tudo está pronto, e você fica sentado em casa batendo papo com os amigos!"

Apesar desses comentários, Haman continuava pensando. Tinha muitos planos. Talvez pudesse fugir. Afinal, tinha filhos que eram governadores em províncias distantes. Podia juntar-se a eles e começar uma rebelião.

Sem que Haman soubesse, Ester previra seus planos. Percebendo que lidava com uma pessoa escorregadia, ordenou aos oficiais que trouxessem Haman sem demora. Não lhe daria chance de tramar com seus conselheiros, nem de escapar da capital e juntar-se aos filhos. Ordenou também que os filhos de Haman fossem imediatamente convocados à capital, antes que pudessem descobrir o que acontecera com o pai, e que não tivessem tempo para começar uma rebelião contra o rei.

O rei e Haman juntaram-se a Ester no segundo banquete preparado por ela. Tendo completado o jejum, agora podia jantar com eles. Mesmo assim, não bebeu vinho, pois queria as idéias claras quando fosse implorar por seu povo.

Haman estava deprimido, e o rei ainda descontente pela noite insone, e ambos beberam para afogar as mágoas. Ester fingiu juntar-se a eles. Achou a leve embriaguez do rei encorajadora, esperando que sua mente ficasse ainda mais anuviada quando se tratasse de Haman.

Certamente, o vinho melhorara o espírito do rei, que repetiu a pergunta feita quando da festa ante-rior. "O que deseja, rainha Ester? Seja o que for, será concedido. Qual é sua vontade? Até o valor de metade do reino será feito."

Vendo Achashverosh num humor receptivo, Ester decidiu que era chegada a hora de agir. Com uma prece ardente no coração, respirou fundo. Os olhos inundados de lágrimas, disse numa voz trêmula: "Se tenho agradado a Sua Majestade e se deseja conceder-me um pedido, imploro que poupe minha vida e a de meu povo!" Tomado de surpresa, o rei Achashverosh olhou-a, estupefato.
"Sou de sangue real" – continuou Ester – "descendente do famoso rei Shaul da tribo de Binyamin. Os judeus são meu povo. Nosso arquiinimigo negociou-nos como objetos de sua posse para exterminar, matar e destruir!

"O inimigo deseja matar-me junto com todo meu povo. Secretamente, trama também destronar o próprio rei. Enquanto eu estiver aqui, está temeroso de agir porque cuido do bem-estar do rei.

"Se meu povo e eu tivéssemos sido vendidos como escravos, teria me calado. Jamais teria invadido seus aposentos íntimos sem ser chamada. No fim, Sua Majestade teria percebido a perda que uma ação tão cruel traria a seu reino e teria libertado os judeus por si mesmo.
"Mas o decreto é para que sejamos todos exterminados" – gritou Ester, a voz trêmula. "Imploro em nome do meu povo. Poupe-nos, e eu também serei salva."

Aparvalhado, o rei tentou ordenar os pensamentos, enquanto seu desconforto e sua ira cres-ciam. Embora Achashverosh odiasse os judeus, na verdade não dissera a Haman que os exterminasse. Temia a D’us e Seu castigo. O rei sabia que Haman expedira um decreto, mas Haman disfarçara tão bem o assunto que o rei não estava bem certo do conteúdo. Embora Haman tivesse sugerido o extermínio, o esboço final tinha a aparência de ameaça apenas, sem planos concretos para a execução.

O rei estava confuso. Havia mesmo assinado um decreto para aniquilar os judeus? Instruíra seus oficiais a fazê-lo? Quem ousaria matar um povo inteiro sem informar claramente ao rei sobre os planos? Seria possível que tivesse se esquecido? Estaria Ester acusando-o de ser o inimigo, ou referia-se a Haman?

"Quem é esse inimigo?" – gritou. "Quem ousaria fazer tal coisa?"

Era agora ou nunca! Ester declarou com destemor: "Um homem odioso. Um inimigo. O malvado Haman! Ele é inimigo do rei tanto quanto meu!

"Acalentou pensamentos de livrar-se de Sua Majestade, rei Achashverosh, enquanto estivesse dormindo. Quando o plano foi frustrado, tentou persuadi-lo a consentir que vestisse seus trajes reais e montasse o cavalo que pertence ao rei, ousando mesmo sugerir que lhe desse a coroa. Vestido dessa maneira, poderia facilmente atrair as massas e começar uma rebelião.

"No desenrolar dos fatos, meu justo primo Mordechai recebeu a honra oferecida por Sua Majestade. O rei deve saber que ele lhe é leal. Pois veja, até mesmo salvou sua vida uma vez. Haman o odeia porque sabe que Mordechai está sempre vigilante para descobrir conspirações contra o rei.

"Todas suas acusações contra os judeus são falsas! Quer exterminar um povo inteiro por causa de seu ódio a mim e a Mordechai. Haman sempre foi odioso e homicida. Não tramou a execução de Vashti, e até mesmo conspirou contra sua vida com Bigtan e Têresh? Lembre-se,Haman tentou salvá-los quando o conluio foi descoberto. Quando fui à Sala do Trono sem convite, ele mal podia esperar para matar-me. Estou surpresa de que Sua Majestade não tenha percebido que pessoa desprezível ele é."

Haman esquivou-se do rei e da rainha. Todas suas mentiras haviam sido reveladas, e o casal real estava unido contra ele. Aterrorizado, percebeu que ninguém o defenderia.

O rei Achashverosh estava fora de si de raiva. Haman o havia tomado por tolo. "Eu o elevei à mais alta posição do império, e ousa tramar contra mim bem debaixo de meu nariz!" – pensou o rei raivosamente.

O fato de que Achashverosh estivesse ligeiramente bêbado aumentava sua fúria. Lembrava-se do sonho no qual Haman o havia atacado e tirado sua coroa. Claramente, via que Haman era seu inimigo! Apesar disso, teve controle suficiente para agir com calma. Foi até o terraço no jardim contíguo ao palácio. Talvez o ar fresco lhe desanuviasse a cabeça e lhe permitisse pensar mais claramente.

Nesse ínterim, Haman, muito abalado, sabia que não poderia justificar-se para o rei a quem enganara. Achashverosh jamais daria ouvidos a suas desculpas. Entretanto, com Ester poderia, ao menos, ter a esperança de pleitear ignorância. "Não havia ela escondido a própria origem?" – pensou Haman freneticamente. "Como poderia eu ter sabido que os judeus eram seu povo? Se eu tivesse essa informação, jamais teria pensado em prejudicá-los."

Com Achashverosh fora no jardim, Haman voltou-se para Ester e implorou por sua vida. O ar do jardim não havia aquietado a fúria do rei, e este voltou para beber novamente e acalmar os nervos.
Naqueles tempos antigos, as pessoas costumavam reclinar-se em divãs à hora das refeições. Quando o rei entrou na sala de jantar, foi tomado de surpresa pela cena diante de seus olhos. Lá, esparramado sobre o divã da rainha, estava Haman. Havia se jogado aos pés de Ester, suplicando-lhe perdão. Ao ouvir o rei entrar, Haman assustou-se e tentou ficar de pé rapidamente. Ao fazê-lo, tropeçou e caiu ao comprido sobre o divã, bem na hora em que o rei abria a porta.
"Que é isso?" – trovejou o rei. "Ousa atacar a rainha na minha própria presença, no meu próprio palácio?"

O rei não podia crer no que via. A memória de sua primeira mulher, Vashti, despertou suas emoções. "Haman estava invejoso de sua posição e a fez ser morta. Agora está atacando Ester para matá-la" – pensou.

Haman foi apanhado de surpresa. Sua vergonha foi tão grande que não conseguia encarar o rei. Tomado de pavor, emudeceu. Ninguém se movia no salão de jantar. Ester prendia a respiração, esperando que o rei decidisse o destino de Haman. Este estava imóvel no lugar, como um criminoso condenado.

Exatamente neste instante, Charvoná agiu. Era um dos sete ministros do rei. Cada um trabalhava num dia diferente, e hoje era o turno de Charvoná. Este havia seguido os eventos deste drama na corte desde o início. Era um dos que tinham sugerido a busca por uma nova rainha. Havia também liderado as tropas enviadas para trazerem Haman a esse segundo banquete. Após ouvir os próprios conselheiros de Haman dizendo-lhe que certamente seria vencido por Mordechai, Charvoná sentiu que era chegada a hora da queda de Haman.

Falou claramente: "Majestade, tudo que a rainha lhe contou é verdade; mas se isso não for suficiente, olhe para o cadafalso que Haman preparou para Mordechai. Mesmo que odeie Mordechai, por que não pode esperar? Deu ordens de que todos os judeus sejam mortos em breve. O patíbulo tem cinqüenta cúbitos de altura. Pode-se enforcar dez homens ali! Obviamente, não foi projetado apenas para Mordechai, mas para o rei e todos seus aliados.

"Majestade, Mordechai é seu súdito mais leal. Haman fez um cadafalso tão alto que todos na cidade poderiam ver Mordechai pendendo da forca. E veja onde o erigiu. Não na prisão, onde a maioria das execuções acontece, mas em seu próprio terreno. Quer mostrar ao mundo que sua palavra é lei, que não precisa da permissão de ninguém. Pretendia observar o corpo de Mordechai pendendo da forca bem daqui, da festa" – concluiu Charvoná.

O rei já ouvira o suficiente. "Que o cadafalso de Haman seja usado. Pendure-o lá!" – trovejou ele.
Enquanto o rei chamava os guardas, Charvoná completou baixinho: "Majestade, sugiro anunciar que está enforcando Haman por tramar a morte de Mordechai. Não torne público o fato de que seu conselheiro mais chegado queria assassinar o rei. Isso poderia causar um escândalo por todo o império."

Os guardas agarraram Haman, colocando-lhe um capuz sobre a cabeça, enquanto o arrastavam para fora. Esta foi sua última audiência com o rei.

Quando Haman foi levado da sala, o rei chamou Mordechai e disse: "Pegue seu inimigo Haman e enforque-o no patíbulo que preparou para você. Faça com ele o que lhe aprouver!"

Sob guarda cerrada, Haman foi conduzido dos terrenos do palácio, o tempo todo implorando a Mordechai: "Por favor, não me enforque como um animal abatido! Fui o homem mais poderoso do reino. Todos estremeciam às minhas palavras. Agora sou eu que tremo perante você. Permita-me conservar minha dignidade. Se deve me matar, faça-o pela espada. Deixe-me morrer como nobre. Não me enforque como um criminoso comum."

Haman tinha um motivo inconfesso para implorar pela espada. Em seu ódio aos judeus, pensou: "Se eu puder realizar o extermínio dos judeus, minha morte não terá sido em vão. Se for enforcado como um malfeitor qualquer, o povo poderá presumir que meu decreto foi cancelado. Se morrer como um nobre, as pessoas pensarão que o decreto ainda tem validade. Posso mesmo ser considerado um mártir sagrado."

Mordechai, entretanto, entendeu o perverso plano de Haman. Ignorando suas súplicas, ordenou que fosse enforcado. Não agia por ódio pessoal, mas o fazia apenas para proteger os judeus do cruel decreto de Haman.

O enforcamento de Haman foi proclamado como uma punição por conspirar para a morte de Mordechai. Haman foi enforcado vestindo os trajes de estado, para que todos pudessem reconhecê-lo.