Como parte das preparações espirituais necessárias para a audiência de Ester com o rei, Mordechai enviou cartas, comunicando aos judeus nas províncias mais distantes para jejuar por três dias. Por três dias repletos de preces, a Rainha Ester vestiu-se de aniagem e cinzas, no lugar de suas lindas túnicas. Então, ao terceiro dia, vestiu seus aparatos reais. Pôs uma túnica adornada com jóias e um traje entrelaçado com a mais fina seda, enfeitada com raras pedras africanas. Calçou seus pés em sandálias de ouro e colocou a magnífica coroa sobre a cabeça.

Chamou então três de suas criadas. "Gostaria que me acompanhassem à Sala do Trono"– disse casualmente, tentando esconder a ansiedade.

"Mas, Majestade, como podemos nos aproximar do rei sem que nos chame? Além disso, jejuamos por três dias e não estamos tão atraentes como de costume. É assim que se ganha o favor do rei?" – a serva deixou escapar. Teria continuado, mas foi silenciada pelo olhar sério e determinado da rainha.

Confiantemente, duas criadas se postaram cada uma a seu lado, e a terceira atrás, segurando a cauda do vestido para que não arrastasse no chão.

Ester esperava que a presença das criadas a protegesse em sua ousada tentativa de entrar sem convite nos aposentos do rei. A lei mandava que os guardas matassem qualquer um que entrasse sem permissão. Porém, se viesse com todos os aparatos de seu cargo, certamente hesitariam. Talvez considerassem a rainha igual ao rei, e a isentassem do decreto. No mínimo, ganharia tempo.

Lentamente, as mulheres caminharam em direção à Sala do Trono. As criadas recobraram a calma ao sentir a autoconfiança da rainha. Embora estivesse arriscando a vida, a face de Ester brilhava com uma luz interior que escondia seus temores. Parecia tranqüila e despreocupada. Precisava-se passar através de sete portas para entrar na Sala do Trono. Ester caminhava com tal autoridade e confiança que os guardas não a pararam. Antes que alguém percebesse o que tinha acontecido, ela estava de pé à porta da Sala do Trono. Os guardas dos aposentos íntimos rodearam-na ameaçadoramente, incertos sobre que atitude tomar.

O rei estava sentado em seu trono, envergando as vestes reais e portando o cetro de ouro nas mãos. Levantando os olhos, viu Ester de pé à sua frente, olhando-o.

"Como ousa entrar em meus domínios, violando a lei?" – pensou furiosamente. "Está assinando sua própria sentença de morte.

"Que perda terrível! Que ironia! Tantas vezes chamei Vashti, mas ela se recusou a apresentar-se para mim, e foi executada" – lembrou estremecendo. "Agora Ester está violando a lei, entrando sem ser convidada; será detida e condenada à morte." Incapaz de encarar diretamente a execução da rainha, virou-se para outro lado.

Ester havia levantado os olhos e encarado o rei. Vendo fúria em seu olhar, ficou imóvel, silenciosamente implorando pela ajuda de D’us. O cetro! Se ao menos o rei o levantasse e apontasse para ela!

Apesar das ordens claras de dar morte imediata a qualquer um que entrasse sem permissão, ninguém ousava tocar na rainha. Ela se postava bem em frente ao rei e Achashverosh testemunhara a violação da lei tão claramente como todos os demais presentes. Não seria apropriado executá-la sem instruções. Todos permaneceram em silêncio, esperando pela reação do rei.

Os cortesãos assistiam ao drama que lá se desenrolava. O rei desviara o olhar e não estava estendendo o cetro para ela. Os guardas tomaram isso como um sinal para avançar e prendê-la.

Mas D’us, o Rei dos reis, estava protegendo Ester. De repente, Achashverosh voltou-se para ela, quase como se alguém o tivesse esbofeteado na face. A aparência calma e composta de Ester teve um efeito calmante nos nervos do rei, que começou a relaxar. Sorrindo, estendeu o cetro de ouro para Ester.

"Qual é o problema, Rainha Ester? O que deseja?" – perguntou o rei, sua curiosidade aguçada. "Obviamente, não teria arriscado a vida à toa. Deve ter um pedido importante. Por favor, diga-me o que há. De boa vontade dar-lhe-ei o que deseja, mesmo se for a metade do reino!"

O rei escolhera as palavras cuidadosamente. Daria somente "metade do reino". Havia algo que não concederia a ninguém. Metade do reino seria até os limites de Jerusalém. Jamais permitiria a reconstrução do Templo dos judeus.

Ouvindo estas palavras, Ester estremeceu. Ainda não havia entendido completamente que sua vida fora poupada, e agora tinha de encarar um desafio adicional. O que se escondia atrás das palavras do rei? Suspeitaria que ela era judia? E Haman, estaria ele ciente de sua identidade? Agora é a hora de acalmar as suspeitas que possam ter.

Ester percebeu quão perto chegara de ser morta. Apenas no último minuto, o rei estendera o cetro. Agora não era a hora certa de falar ao rei sobre seu povo.

"Convidarei o rei para uma festa e ficará de bom humor" – pensou Ester. "Amanhã, talvez poderá ter esquecido que entrei na Sala do Trono sem convite. Além disso, se eu falar agora, Haman pode aproximar-se depois e fazê-lo mudar de idéia. Seria melhor abordar o rei durante o banquete. Talvez o ambiente o faça lembrar da maneira que Haman o persuadiu a matar Vashti. Convidarei Haman, também, para deixá-lo desprevenido. Não quero que desconfie que tenho algo contra ele. Pensará que sou sua aliada, e não suspeitará que tenho a intenção de estragar-lhe os planos. Se eu lhe der atenção especial, talvez consiga despertar suspeitas no rei sobre ele."

Ester sabia o quanto Haman a odiava. Fizera com que Vashti fosse executada para que sua própria filha se tornasse rainha, mas ficara extremamente frustrado desde que Ester fora a escolhida. Agora havia publicamente ignorado sua autoridade, violando a lei por ele instituída, e, o que era pior, saindo impune disso tudo. Obviamente, estaria furioso e ofendido. "Devo fazer todo o possível para agradá-lo" – decidiu Ester.

Todos os presentes na Sala do Trono fitavam a rainha perdoada, esperando que manifestasse seu desejo.

"Posso esperar que o rei compareça ao banquete que preparei para ele? – disse finalmente. "Como tenho sido ingrata com Haman, sem cujos conselhos sobre Vashti eu jamais teria me tornado rainha, poderá ele vir também?"

O rei Achashverosh foi rápido na aceitação do convite. Uma festa? A qualquer hora! "Façam com que Haman se apresse e venha conforme Ester deseja" – ordenou. Secretamente, o rei não gostara nada que Ester convidasse Haman para jantar com eles. Ordenou que Haman se apressasse para mostrar que era subordinado à rainha.

Haman prontamente aceitou o convite. Não o fez porque queria obedecer Ester, mas porque assim poderia comer, beber e jactar-se com os oficiais do rei, dizendo ser o único convidado a uma festa particular com o casal real.

Durante o banquete, Ester não participou da refeição que havia preparado, pois ainda estava jejuan-do. O rei e Haman comeram juntos enquanto Ester atuava como anfitriã. Embora o rei insistisse para que se juntasse a eles, declinou, fingindo estar com problemas no estômago. Após comer e beber até ficar satisfeito, o rei voltou-se para Ester. "Tudo que desejar" – disse – "darei a você. Antes, você quis que Haman e eu viéssemos à sua festa; eu o tenho aqui, agora. O que você quer? Não pôs sua vida em perigo apenas para ter um banquete. Para correr tal risco, deve haver um assunto de vida ou morte a preocupando, ou um problema envolvendo enormes somas de dinheiro. Haman é o tesoureiro real. Se precisa de dinheiro, ele o dará a você imediatamente. Pegue quanto precisar – até o valor de metade do reino."

"Não quero metade do reino. Não preciso de nenhum dinheiro" – declarou Ester. Ela não queria que Achashverosh pensasse que desejava alguma coisa de Haman. Esta não era a razão de tê-lo convidado para a festa. O que Ester queria podia apenas ser concedido pelo próprio rei.

"Se isso agrada ao rei, e se ele quer satisfazer-me um desejo, tenho apenas um agora. Quero que o rei e Haman venham à festa que prepararei para amanhã. Então, revelarei a verdadeira razão da minha ida à Sala do Trono."

Achashverosh franziu o cenho, mas pareceu ficar satisfeito quando Ester acrescentou em seguida: "Amanhã, também revelarei detalhes sobre minha família e meu local de nascimento."

A festa terminou e Haman saiu. Feliz e contente, suspirou de alívio ao voltar para o Portão do Rei.

"Ótimo!" – pensou ele. "Estava realmente com medo de que meus planos dessem em nada. Parecia um pouco suspeito. O decreto acabara de ser emitido e, de repente, a rainha Ester organiza festas e me convida. Pensei realmente que iria me denunciar ao rei, dizendo que meu plano ‘solução final’ para os judeus lhe é desfavorável."

Porém, nada deste tipo havia ocorrido, e Haman estava de bom humor. "Não apenas a rainha nada disse de desagradável sobre mim, como ainda convidou-me para outra festa. Não há necessidade de me preocupar de que algo de mal aconteça no banquete de amanhã.

"A rainha não estava se sentindo bem e não pôde comer hoje. Quer fazer outro festim amanhã porque então poderá comer e beber também" – concluiu Haman.

Imerso nesses pensamentos agradáveis, Haman passou pelo Portão do Rei. Lá estava Mordechai de novo. Como sempre, não se levantou ao ver Haman passar, nem fez qualquer gesto de respeito. Foi como se Mordechai não o tivesse avistado.

Haman sentiu um duro golpe em seu orgulho. Vindo diretamente da festa onde a própria rainha o havia homenageado, era-lhe particularmente odioso. Apenas um olhar para Mordechai e sentiu-se ferver de raiva.
"O que Mordechai está fazendo?" – pensou furiosamente. "Posso entender sua recusa em inclinar-se porque é um judeu. Mas porque nem ao menos mostra um sinal de respeito? Nem ao menos pode se mover? Isso nada tem a ver com sua religião. Apenas é teimoso e tem orgulho como todos os outros judeus. Senta-se à cabeceira do conselho e vira a cabeça das crianças judias. Quem pensa que é, afinal?

"Todo o povo judeu está para ser morto porque Mordechai se recusa a se curvar a mim. Mesmo assim ousa não se inclinar ou mostrar o mínimo respeito. Talvez esteja planejando usar suas ligações com a rainha Ester para anular o decreto. Talvez seja por isso que Mordechai age tão presunçosamente!"

Haman estava confuso. "A rainha nada tem contra mim. Pelo contrário! Tem me convidado para festas mais íntimas com o rei. Mas, e se algo acontece e o decreto contra os judeus for anulado? Mordechai também viverá. NÃO! Algo precisa ser feito com ele imediatamente!"

Antes, Haman havia sentido que matar apenas Mordechai estava abaixo de sua dignidade, mas agora Mordechai precisava de tratamento especial.

"Darei um fim nele antes mesmo que chegue a hora do decreto. Não quero que tenha qualquer chance de sobreviver."

Pensou em matar Mordechai imediatamente. Uma palavra a seus guardas, e seria feito. Porém, controlou-se, decidindo ir para casa e discutir o assunto com sua mulher e amigos. Portanto, Haman apressou-se para casa.

Reunidos à volta da mesa estavam Zêresh, sua esposa, e seus amigos mais chegados. Todos os olhos seguiam Haman, passeando incessantemente pela sala.

"Apenas olhem para mim, o Primeiro Ministro" – vociferou. "Sou tão rico. Tenho tanto poder. Tenho muitos filhos em altas posições no governo. Alguns deles são escribas do rei, que controlam o governo de todas as formas, exceto no nome. Mesmo assim, tudo parece sem valor, a cada vez que vejo aquele Mordechai. Está me deixando louco."

"Que é isso, Haman" – disseram seus assessores, racionalmente. "Por que preocupar-se com Mordechai? Sua morte está decretada, junto com o resto dos judeus. Tenha um pouquinho de paciência e logo desaparecerá para sempre."

"Vocês não parecem entender minha situação" – disse Haman com arrogância. Mas como poderiam? Suas posições não foram elevadas, como a minha, acima de todos os nobres e assessores do rei! Não foram pessoalmente convidados às festas da rainha. Não podem sentir a excitação do poder supremo. Então, como podem entender que uma pessoa importante como eu não tolere ser constantemente ofendido?"

Todos se calaram. Haviam sido insultados e não queriam ser repreendidos novamente. "Sei como se sente" – disse Zêresh. "Tem toda razão em odiar Mordechai. Apresse sua morte a todo custo e relaxe." Os assessores de Haman concordaram: "Por que não? Mate-o!"

"Livre-se dele!"

"Acabe com ele, e compareça à festa da rainha para celebrar sua vitória!"

Zêresh continuou: "Deixe seus homens construirem uma plataforma de cinqüenta cúbitos5 de altura. Fale ao rei cedo pela manhã, enquanto Mordechai ainda recita suas preces. Diga ao rei que Mordechai é um rebelde, um traidor, que merece ser enforcado por renegar o poder dos deuses persas e rezar a seu próprio D’us.
"Construa a plataforma nos nossos terrenos particulares, assim ninguém poderá impedir que o enforque de imediato. Não lhe dê sequer uma chance de terminar suas preces judaicas.

"E não vá ao rei especialmente para requisitar a execução de Mordechai. Aja como se tivesse outros importantes assuntos de estado para discutir, e então mencione o enforcamento de Mordechai de modo casual. Será fácil chegar ao rei bem cedo, quando a rainha Ester não estiver por perto. O rei gosta de você, e agora também sabe que a rainha o favorece. Um pedido pequeno como livrar-se de Mordechai será facilmente concedido."

A idéia não apenas agradou a Haman, como também o obcecou. Não conseguiu comer nem dormir até que tivesse ordenado aos construtores que começassem o trabalho. Até os filhos de Haman participaram, pregando pregos e cantando. Zêresh e algumas amigas tocaram música, emprestando à construção dessa esquisita plataforma um ar estranhamente festivo.

Quando ficou pronta, Haman subiu ao topo, experimentando o laço do carrasco em si mesmo para certificar-se de que estava na altura apropriada.

A mente de Haman começou a girar com grandes planos que iam muito além de livrar-se do inimigo judeu. Assim que Mordechai estivesse morto, também assassinaria Achashverosh e Ester. Ainda tinha vínculos estreitos com o rei da Grécia, por causa de suas conexões com Bigtan e Têresh. Se matasse Achashverosh, o governante grego o proclamaria rei, dando-lhe poder supremo e vingando a morte de seus bons amigos, Bigtan e Têresh.

Haman sentia-se em segurança. Ninguém no palácio sabia da trama. Mal sabia ele que Charvoná, um dos assessores do rei, o estava investigando e já estava em seu rastro maléfico.

Após erigir o cadafalso, Haman foi até Mordechai para vê-lo pela última vez. Achou-o, ainda vestindo roupas de luto, ensinando a uma enorme multidão de crianças.

Haman rangeu os dentes. "Mostrarei a eles" – resmungou.

"Guardas!" – gritou. "Peguem todas essas crianças, acorrentem-nas, e joguem-nas na prisão. Ha! Ha! Seus infelizes! Logo farão companhia a seu professor no outro mundo! Lá, poderão estudar o quanto quiserem!"

As crianças se amontoaram nas escuras masmorras, preparando-se para a morte. Suas preces sinceras abalaram os alicerces dos Céus.

Haman não percebeu que esta ação selara seu destino. Foram as preces das crianças corajosas, e seu apego ao estudo de Torá apesar do perigo ameaçador, que anularam o decreto celestial contra os judeus.