No entanto, uma pessoa ficou conhecendo os fatos. Logo após o decreto ter sido emitido, Mordechai descobriu os detalhes da trama. Percebeu que o rei havia ordenado a destruição dos judeus sem, ao menos, investigar as acusações. Os fatos haviam acontecido tão depressa, que parecia não haver tempo para desfazê-los.
Angustiado, Mordechai rasgou suas roupas, como os enlutados fazem pelos mortos. "Se nada for feito" – lamentou – "logo muitos judeus perecerão." Vestiu-se de aniagem, sinal de tristeza e arrependimento, e colocou cinzas sobre a cabeça. "Não removerei este saco de aniagem até que meu povo esteja seguro" – prometeu.
Mordechai caminhou pelas ruas da cidade, chorando alto e amargamente. "Tudo aconteceu porque me recusei a inclinar-me perante Haman" – pensou consigo. "Na verdade, fiz a coisa certa, mas sou responsável pelo terrível decreto."
Mordechai sabia que a situação era séria, mas também sabia o que deveria ser feito. Erguendo a voz, proclamou: "A tragédia se abateu sobre nós! Haman e o rei decidiram nos matar a todos!"
Alguns passantes judeus ouviram seus brados e olharam para Mordechai com horror. A notícia correu célere, e logo uma enorme multidão se juntou. Mordechai levantou-se e dirigiu-se à turba: "Queridos irmãos judeus, sabem o que está acontecendo? Fomos proclamados um povo condenado. Nossos dias estão contados. Fomos sentenciados à morte."
Pessoas entreolhavam-se em choque. A ameaça de morte descera subitamente, sem nenhum aviso.
Mordechai continuou a bradar: "Devemos nos arrepender! Fomos advertidos. Bem sabíamos que participar do banquete real era um pecado. Agora, devemos pedir perdão a D’us."
Como era costume em tempos difíceis naqueles dias, uma arca contendo um Rolo da Torá era trazida à praça principal. Mordechai tirou o Rolo e leu alguns trechos, conclamando o povo a pedir o perdão de D’us, e implorar a Ele que os salvasse.
Dirigiu-se novamente ao povo: "Meus irmãos! Todos os portões dos Céus estão fechados aos malfeitores, exceto o portão das lágrimas. Peguem o exemplo de Ninvê (Nínive). D’us decretou que a cidade fosse destruída. Quando o profeta Yoná (Jonas) disso informou o rei, esse desceu do trono, removeu a coroa, cobrindo-se de estopa e cinzas. Percorreu pessoalmente a cidade, ordenando um período de jejum e penitência. D’us teve misericórdia e anulou o decreto. Devemos fazer o mesmo, jejuar e nos arrepender. D’us verá nossa sinceridade e aceitará nossas preces."
Ao ouvir estas palavras, as pessoas começaram a chorar amargamente. Agora que os judeus de Shushan sabiam do terrível fado que se abateria sobre eles e, tendo sido instruídos a se arrepender, Mordechai decidiu que deveria tentar a apresentação de um pedido oficial para cancelar o decreto. Esperava conseguir uma audiência com Achashverosh e persuadi-lo a reverter as ordens.
Abrindo caminho até o palácio, Mordechai encontrou um grupo de meninos voltando da escola. Parou uma das crianças: "Que versículo você aprendeu hoje?" – perguntou.
O menino ergueu os olhos para o sábio com respeito e admiração. Respondeu corajosamente: "Estudamos o versículo que diz: ‘Não temas o terror súbito, nem a destruição dos perversos se vier.’ "
A face atormentada de Mordechai iluminou-se. Abordou uma segunda criança e fez a mesma pergunta. O menino respondeu: " ‘Façais um plano – mas será malogrado. Digai tudo que quiserdes – não se materializará, pois D’us está conosco!’ "
Encorajado pela fé sincera da criança, pediu a uma terceira para repetir o versículo que acabara de estudar. O menino citou as palavras reconfortantes do profeta Yesha’yáhu (Isaías). " ‘Até tua velhice, Eu estou contigo; até tua senilidade, Eu te sustentarei; Eu te fiz, Eu te conduzirei; Eu te sustentarei e te libertarei!’ "
Ao ouvir estas palavras de esperança, o espírito de Mordechai se elevou. "Não importa o que Haman tenha tramado, D’us ajudará Seu povo" – pensou confiante.
Como se pela mão do destino, aconteceu que Haman estava passando. Percebeu a calma disposição de Mordechai e não pôde suprimir a curiosidade.
"Vi você falando com aqueles meninos" – disse, suspeitosamente. "O que disseram que o deixou tão feliz?"
"Nada de importante para você" – replicou Mordechai – "mas me disseram que nada temos a temer dos planos que engendrou."
Haman ficou furioso. "Cuidarei primeiro destes malandros. Depois deles, será sua vez" – resmungou com um sorriso cruel.
Mordechai chegou ao Portão do Rei. Quis entrar e aproximar-se do rei, mas não lhe foi permitida a entrada. O costume local proibia a qualquer pessoa entrar no Portão do Rei vestindo estopa. Como aniagem era um sinal de luto, era considerado de mau agouro no palácio, como se o usuário estivesse antecipando a morte do rei.
Mordechai não desanimou. Sentou-se perto do portão lastimando-se, de aniagem e tudo, na esperança de atrair atenção oficial. Alguém se encarregaria de reportar ao rei essa cena indigna. Achashverosh certamente mandaria chamá-lo, exigindo uma explicação de seu comportamento.
Nesse meio tempo, a notícia se espalhou como fogo. Apesar do plano de Haman de manter tudo em segredo, o decreto foi amplamente divulgado em todo o império. Os judeus entraram em pânico; o anti-semitismo estava se intensificando.
"Esperem só" – seus vizinhos não-judeus ameaçavam. "Logo mataremos vocês e tomaremos posse de todo seu dinheiro."
Nas províncias mais distantes, os judeus estavam desesperados. Temiam que seus cobiçosos vizinhos não esperassem até 13 de Adar. Parecia haver pouca chance de preparar algum tipo de defesa. Levantavam os olhos aos Céus, decretando dias de jejum e luto, vestindo aniagem e cinzas.
Lá na capital, em Shushan, entretanto, os judeus sabiam que a ordem provavelmente seria mantida. Ao menos teriam tempo até que o decreto fosse efetivado. Esperavam que Mordechai fosse admitido à presença do rei. Talvez tivesse êxito, conseguindo a anulação da lei.
Para seu desgosto, a presença de Mordechai no Portão do Rei permanecia ignorada pelos oficiais do palácio e pelo próprio rei. Apenas uma pessoa parecia transtornada pelo protesto de Mordechai.
Quando a Rainha Ester foi informada do comportamento de Mordechai, ficou horrorizada. A princípio, não pôde acreditar no que ouvia; porém, quando suas criadas pessoais contaram-lhe a mesma história, percebeu que deveria ser verdade.
Ester recompôs-se rapidamente e mandou roupas para Mordechai. Queria que viesse ao palácio e discutisse o assunto com ela. "Diga-lhe que não é apropriado para uma rainha ir até a rua" – disse à criada.
Na verdade, Ester teria ficado feliz em sair e encontrar Mordechai, seu santo primo a quem tanto respeitava. Entretanto, pensou que pudesse ser perigoso ser vista com ele nessa ocasião.
Mordechai não quis aceitar as vestimentas. Não tiraria sua roupa de aniagem até que seu povo estivesse a salvo. Ester logo entendeu que Mordechai estava extremamente perturbado. Pensou num plano que lhe permitisse comunicar-se com Mordechai sem levantar suspeitas. Escolheu Hatach como mensageiro. Era um velho cortesão judeu. Havia servido como conselheiro para Belshatsar, Dario e Ciro. O rei Achashverosh o havia rebaixado e colocado à disposição de Ester.
Se os cortesãos do rei vissem as criadas de Ester indo e vindo entre ela e Mordechai, poderiam suspeitar de um complô contra o rei. Entretanto, como Hatach ainda servia oficialmente como um dos conselheiros do rei, sua presença não levantaria tantas suspeitas.
"Descubra qual é o problema" – ela instruiu Hatach. "Por que Mordechai está de luto em público?"
Hatach não foi diretamente a Mordechai. Passeou pela rua principal como se tivesse algo a fazer, para dar a impressão que encontrara Mordechai ao acaso. Embora muitos judeus caminhassem por ali em estado de choque, Hatach não os questionou. Queria dar a Ester informação precisa, vinda diretamente de Mordechai. Este notou Hatach e contou-lhe tudo. Também revelou seu plano para tentar o cancelamento do decreto.
"Como é possível?" – exclamou Hatach. "Um decreto emitido pelo rei não pode ser revogado."
"Este é um caso excepcional" – disse Mordechai. Fomos falsamente acusados, e o rei selou o decreto sem saber de todas as conseqüências."
Hatach assentiu lentamente. "Se ao menos alguém pudesse ir ao rei e explicar o caso. Mas quem ousaria?"
Mordechai tinha a resposta. "Chegou a hora de Ester revelar sua identidade. Vá e explique a situa-ção para ela. Diga-lhe que dou permissão para contar seu segredo. Ela deve entender que também está incluída no decreto, já que é judia. Dê-lhe instruções para abordar o rei e implorar misericórdia, suplicando-lhe por nosso povo. Ela deve fazê-lo em segredo, pois Haman tem agentes em todo o palácio."
Hatach correu de volta e relatou a Ester as palavras de Mordechai. Ela podia sentir a urgência na mensagem. Teria gostado de seguir as instruções imediatamente, mas fazê-lo não seria assim tão simples. Pediu a Hatach que explicasse sua delicada posição a Mordechai. "Não posso tentar uma reunião com o rei por causa da lei que Haman fez incluir na constituição persa: ninguém pode convocar uma audiência com o rei. Qualquer um que entre nos aposentos reais sem um chamado será sentenciado à morte imediatamente."
"Não podia fingir desconhecer esta lei?" – sugeriu Hatach.
"Não" – respondeu Ester. "Todos os servos do rei conhecem esta regra, que tem sido largamente divulgada no império.
"Além disso" – continuou" – mesmo se eu tivesse de arriscar minha vida e, por milagre, o rei me recebesse estendendo seu cetro real, não há garantia de que serei capaz de anular o decreto. Se eu falhar, é mais provável que seja destituída ou mesmo morta, perdendo qualquer chance de falar em nome de nosso povo quando uma ocasião mais favorável se apresentar.
"Embora nosso povo esteja ameaçado" – ela continuou – "ainda há muito tempo. Eu não hesitaria em enfrentar o perigo se a ameaça fosse imediata. Estou certa de que o rei logo me chamará. Já faz trinta dias que não me chama, e deverá fazê-lo a qualquer hora. Então, poderei falar com ele."
Embora falasse esperançosamente sobre uma possível audiência com o rei, Ester estava realmente preocupada. "Talvez o rei esteja entediado comigo, e seja esse o motivo pelo qual não tenho sido chamada por um mês."
A mensagem de Ester a Mordechai não parecia muito encorajadora. Para aumentar a dificuldade da situação, Haman infelizmente percebera as frequentes idas e vindas de Hatach a Mordechai, ficando desconfiado.
"Aposto que estão conspirando para cancelar o decreto" – pensou. "Bem, darei um basta nisso tudo agora mesmo." Sem mais hesitação, Haman mandou executar Hatach.
Apesar de muito abalada com a tragédia, Ester estava determinada a ajudar. Achou outras pessoas para confiar suas mensagens a Mordechai.
Embora os argumentos de Ester pudessem parecer convincentes a outras pessoas, Mordechai não fora persuadido. Sabia que qualquer demora poderia ser prejudicial ao povo judeu, e sua resposta ao arrazoado de Ester foi bem clara.
"Não espere o rei mandar chamá-la! Muitos judeus estão caindo no desespero. Podem abandonar a religião e tentar se assimilar entre outras nações, na esperança de escapar à morte certa. Além disso, se demorar, pode ser que o rei não tenha tempo de mandar mensagens às províncias mais longínquas a tempo de salvar os judeus locais da destruição. Além do mais, quem sabe o que pode acontecer? Da mesma forma que se tornou rainha inesperadamente, pode ser destituída sem aviso. Certamente sua presença no palácio foi planejada por D’us."
"D’us nunca abandonou seu povo" – continuou Mordechai. "Não nos abandonará agora e tem muitas maneiras de nos resgatar. Entretanto, pense em seu próprio futuro. Não acredite estar segura no palácio ou que escapará ao destino de todos os outros judeus."
Ester ficou agastada pela resposta severa de Mordechai. Respondeu rapidamente: "Por favor, não pense que estou hesitante por medo de perigo pessoal. Se houvesse uma chance de salvar meu povo, alegremente me ofereceria. Apenas planejei esperar a ocasião mais propícia para explicar ao rei como tem sido enganado por Haman. Percebo por sua insistência que a hora chegou. Vou agora mesmo."
Como Mordechai, Ester sabia que o terrível perigo pairando sobre o povo judeu era o resultado dos pecados do povo. Se os judeus se arrependessem, D’us certamente mostraria mercê; e ela poderia então persuadir o rei Achashverosh a anular o decreto.
Disse a Mordechai: "Vá, reuna todos os judeus. Haman mentiu sobre nós ao dizer que não somos unidos. Que os judeus se juntem e demonstrem sua união e amor mútuo. Mostremos que os primeiros argumentos de Haman não passavam de mentiras.
"O rei então começará a duvidar do restante das palavras de Haman. Além do mais, se Haman vir que os judeus são unidos, pode ser que entre em pânico e revogue o decreto. Perceberá a força da união e saberá que não seremos derrotados facilmente.
"Proclame três dias de jejum e rezem por mim! Orem para que Achashverosh não me mate por violar a lei, entrando em seus aposentos sem um chamado.
"Minhas criadas e eu jejuaremos também, e rezarei para que D’us perdoe meu povo por participar do banquete de Achashverosh. Se eu rezar pelos outros, minhas preces serão ouvidas."
Mordechai ficou aliviado ao receber a corajosa mensagem de Ester, mas um tanto apreensivo por seu pedido. O decreto fora expedido no dia 13 de Nissan. Se Mordechai agisse sem perda de tempo, os três dias de jejum coincidiriam com Pêssach. Mandou a Ester uma mensagem urgente.
"Como podemos pedir às pessoas para jejuar em Yom Tov (dia festivo)?"
A resposta de Ester não se fez esperar. "Você é o líder de Israel e está autorizado a promulgar o jejum. Se os judeus deixarem de existir, quem irá então guardar Pêssach? Se Israel for destruído, o que será da Torá e seus mandamentos? Não hesite, por favor! Eu também agirei imediatamente de acordo com suas instruções. Farei o que puder. Se eu morrer, morrerei tentando ajudar nosso povo."
Mordechai estava grato a Ester pela devoção a seu povo e por ter concordado em arriscar a vida. Convocou os judeus e declarou um jejum. Milhares de cohanim (sacerdotes) se reuniram, tocando shofar e segurando Rolos de Torá. O povo juntou-se a eles em ardente prece. Seu lamento era tão intenso que parecia atingir o mais alto dos Céus.
Faça um Comentário