Agora a parte mais difícil" – disse Haman. "Tenho que persuadir o rei a concordar com meu plano. Certamente, ele odeia os judeus tanto quanto eu, mas provavelmente recusará por causa do possível dano que o extermínio possa causar ao reino."
Haman sabia que tinha que agir cautelosamente. O rei poderia ter muitas razões para recusar-se a eliminar os judeus. Desempenhavam papel importante na economia do império. Poderiam ter muitos aliados. Também havia a possibilidade de que reagissem, causando tremenda consternação e danos ao reino.
"Além disso" – pensou Haman – "o rei talvez concorde com o plano, mas e a rainha? Ela parece aprovar os judeus. Foi ela que convenceu o rei a nomear Mordechai. Talvez ela se coloque em meu caminho."
"Já sei" – decidiu finalmente. "Não me aproximarei do rei como inimigo declarado dos judeus. Nem ao menos mencionarei o nome "judeu". Apenas descreverei um povo rebelde que está contra o bem do reino e precisa ser exterminado. O rei certamente concordará que tal grupo deve ser destruído.
"Quando os escribas compuserem o decreto de extermínio, posso facilmente adicionar que os judeus são o grupo visado. Uma vez que o decreto seja selado pelo rei, não pode ser alterado. Ninguém poderá salvá-los."
Antes de se aproximar do rei, Haman ensaiou seu discurso com cuidado. Queria desesperadamente o consentimento do rei; por isso, escolheu bem as palavras, tentando não deixar passar nada que pudesse fazer o soberano discordar.
Armado com argumentos e acusações, apresentou seu caso ao rei. "Majestade," – começou – "há um povo que está disperso e espalhado por todas as nações do seu império. Eles se consideram um povo distinto, e acham que somos impuros. Não comem nossa comida e não bebem nosso vinho. Na verdade, se cair uma mosca num copo de vinho, eles a removem e bebem o resto. Mas se Sua Majestade tocar nesse vinho, o derramarão e teimosamente recusar-se-ão a tomá-lo. Até mesmo esfregarão o copo antes de usá-lo novamente."
O rei Achashverosh ficou profundamente ofendido. Haman astuciosamente conseguira preparar o espírito do rei para lançar suas próximas reclamações sobre os judeus.
"Este povo tem suas próprias festas e costumes bizarros. São preguiçosos e nunca trabalham por completo. Enquanto nosso povo trabalha duramente, estão sempre celebrando um dia de Shabat ou algum outro tipo de dia festivo, no qual não podem fazer nenhum trabalho. Porém, quando acontece um feriado nosso, o ignoram por completo. É óbvio que não querem nada conosco."
O rei inclinou-se para a frente. "Onde Haman está tentando chegar?" – pensou. "Tal povo definitivamente não parece ser de grande vantagem para meu reino; porém, meu império é feito de muitos povos e nações."
Como se lendo os pensamentos do rei, Haman continuou: "Não há nenhum outro grupo como esse. Existem muitas outras nacionalidades no reino, mas todos confraternizam uns com os outros e até mesmo casam-se entre si. Este grupo em particular continuamente se recusa a se assimilar. Até mesmo mutilam os filhos, marcando os corpos com a circuncisão para ter certeza de que não farão casamentos mistos. Normalmente, os refugiados tentam se encaixar em seu novo país e ser amigáveis para com os outros. Não esse povo. Faz tudo ao seu alcance para permanecer diferente. Tentam persuadir as pessoas de que nossos deuses não são bons e que apenas seu D’us deve ser venerado. Estão minando a religião nacional."
O desprazer de Achashverosh com o povo descrito por Haman estava aumentando. Como podia manter um grupo tão perigoso em seu império?
Haman continuou: "Não têm respeito nenhum pelas leis do rei. Todas as outras nações no império incorporaram estas leis em suas constituições. Este grupo não adicionou sequer um decreto do monarca à sua lei."
Nesse ponto, a ira do rei havia sido suficientemente provocada. Assim, Haman espertamente desvelou seu plano. "De nada vale ao rei manter esse povo. A menos que deseje que permaneçam um eterno espinho, Majestade, não tem outra escolha senão matá-los."
O rei assentiu, finalmente compreendendo a intenção do primeiro ministro. Embora estivesse em concordância com o plano, sabia que levá-lo a termo não seria tarefa fácil.
"Acha realmente que esse povo horrível, embora mereça ser eliminado, simplesmente caminhará como ovelhas para o matadouro?" – perguntou o rei. "Não quero desencadear uma revolução em meu império."
"Muito improvável, Majestade" – Haman assegurou-lhe. "Veja, estas pessoas estão espalhadas por todo o império. Existem uns poucos numa cidade, uns poucos mais em outra. Não precisa se preocupar de que revidem: estão espalhados demais para que possam desfechar um ataque unificado. Até que consigam se juntar para elaborar um plano de defesa, serão apenas uma triste memória.
"Além disso" – continuou Haman – "estão constantemente discutindo e brigando entre si. Nunca concordam sobre coisa alguma, e certamente não para começar uma rebelião. Mesmo seus sábios discordam uns dos outros. Pode-se achar costumes diferentes entre eles. Tenho eu próprio observado isso. Algumas dessas pessoas se apercebem de minha presença e prestam-me os devidos respeitos, mas uns poucos teimosamente se recusam a fazê-lo. Mesmo em tempos de perigo, nunca se unem."
O rei ainda não estava convencido. "Com certeza os amigos, vizinhos e concidadãos virão para ajudá-los. Terei uma rebelião se espalhando como fogo através de meu reino."
"De forma alguma" – replicou Haman com um esgar. Mantêm-se tão acima de todos que nenhuma outra nacionalidade os ajudará. Ninguém tem uma boa palavra sobre eles. Ninguém pode tolerá-los. Se Sua Majestade eliminar este grupo, nenhuma nação se levantará para defendê-los. Pelo contrário, todos tecerão elogios e proclamarão um feriado."
"Não vejo como o extermínio de grande porcentagem de cidadãos possa ser útil ao império" – protestou o rei, fracamente.
Haman estava ficando impaciente com a resistência do rei. "Majestade, se está verdadeiramente interessado no bem-estar do reino, deve fazer com que este povo indigno seja destruído imediatamente. Não são essenciais ao império. São totalmente improdutivos. São tão estranhos à nossa cultura, que em nada contribuem. Além disso, estão escassamente distribuídos pelo reino; assim, se forem eliminados, dificilmente alguém sentirá falta" – disse.
O rei ainda não estava bem convicto. O lado moral de sua natureza pedia uma consideração mais humana.
"Os adultos parecem maus, mas talvez as crianças devessem ser salvas?" – sugeriu, hesitantemente.
Está claro que Haman tinha uma resposta pronta. Não desistiria de uma chance de se vingar do povo que recebera ordem de destruir sua nação, os agaguitas.
"Não, não, Majestade!" – declarou. "Quando esse povo ataca seus inimigos, mata homens, mulheres e crianças da mesma forma. Dê a eles uma dose de seu próprio remédio, exterminando-os completamente!"
O rei recostou-se no trono e deu um suspiro satisfeito. O plano de Haman o agradara. Já tinha secretamente adivinhado quem era "esse povo". Percebeu que Haman se referia aos judeus, e sentia mais ira em relação a eles que seu próprio primeiro ministro.No entanto, o rei hesitava. Durante toda a conversa, Haman não havia tocado no ponto que era na verdade o cerne da questão. "Os judeus podem ser uma nação inferior, mas todos sabem que têm um D’us poderoso. Sei muito bem o que aconteceu com todos os reis que tentaram prejudicar os judeus."
Lembrou-se com um tremor da descrição dos últimos infelizes dias de Nevuchadnêtsar. Belshatsar também tivera um triste fim. "O D’us dos judeus pode ser muito perigoso" – pensou sinistramente.
Achashverosh meditou: "Sei como defender-me e isentar-me de qualquer responsabilidade por este plano. Haman nunca mencionou a palavra ‘judeu’. Vou levar este plano adiante, alegando que nunca soube quem eram os rebeldes. Estava apenas cumprindo meu dever, protegendo o império de elementos perigosos."
Haman permitiu que o rei pensasse sem interrompê-lo. "Afinal, o rei precisa de tempo para amadurecer a idéia" – pensou. Quando percebeu a mudança no humor do rei, agiu rápido e apresentou o argumento final.
"Majestade, não pense que esta será uma tarefa difícil e que terá de enfrentar grandes batalhas contra esse povo. Uma assinatura sua e serão eliminados. Têm suficientes inimigos que estarão dispostos a fazer o trabalho.
"Contribuirei pessoalmente com 10.000 lingotes de prata a serem depositados no tesouro real. Os fundos cobrirão quaisquer despesas necessárias para eliminar esse povo. Sobrará dinheiro suficiente, também, Majestade, que pode ser usado para repor os impostos que seriam coletados desses cidadãos indignos. Pense a respeito – todo aquele dinheiro dos impostos sem que tenha o trabalho de coletá-lo."
O rei estava convencido. "Nada tenho a perder e tudo a ganhar" – disse de si para si. "Na verdade, não me envolverei diretamente na matança. Deixe que Haman faça o trabalho sujo. Sempre poderei alegar ignorância. Dar-lhe-ei carta branca, e a responsabilidade será toda sua."
O rei Achashverosh deu a Haman seu anel de sinete, garantindo-lhe completa autoridade para fazer o que desejasse, sem precisar de mais nenhuma permissão do rei.
Achashverosh então reconsiderou a oferta de dinheiro. Voltou-se a Haman dizendo: "Se o que disse a respeito daquele povo for verdade, então merecem ser mortos sem piedade. Por que, então, me oferece dinheiro? Outros poderiam dizer que está tentando me subornar para matá-los. Não aceito subornos. Fique com o dinheiro e faça com aquele povo como bem lhe aprouver."
Na verdade, Achashverosh sentia que deveria estar pagando Haman pelo serviço que estava na iminência de fazer para o reino. Afinal, Achashverosh queria os judeus assassinados tanto quanto Haman o desejava; talvez mais até. O rei estava satisfeito com o desenrolar dos acontecimentos. Não havia declarado guerra aberta contra os judeus. Poderia alegar ignorância, e Haman faria o trabalho desagradável por ele.
Haman não perdeu tempo. "Com um rei como Achashverosh, nunca se sabe" – pensou. "Pode mudar de idéia amanhã." Começou imediatamente a compor os termos do decreto a ser emitido.
"A melhor coisa será matar todos os judeus num único dia. Assim, não se prepararão para revidar nem tentarão fugir" – pensou Haman. "As pessoas terão permissão de assumir a propriedade dos judeus após matá-los. Ninguém será tentado a salvar a vida de um judeu com essas condições. Porém, se o povo souber disso, iniciará os assassinatos em massa antes do dia aprazado, e meu plano poderá ruir."
Concentrando-se, Haman finalmente achou a solução perfeita. A única parte do decreto a ser tornada pública seria que todos deveriam se preparar para o dia 13 de Adar. Centros seriam estabelecidos para que todos os homens fisicamente aptos se apresentassem naquele dia. Seriam informados que algo importante estava para acontecer, porém mais não seria revelado até a data apropria-da.
Cartas mais específicas seriam mandadas para as lideranças, os oficiais do rei, os nobres e governadores. Seriam notificados do plano de ação e advertidos a fazerem preparativos secretos. Haman convocou os secretários reais e ditou o conteúdo do decreto público e das cartas particulares. Foram emitidos em nome do rei Achashverosh e selados com seu anel de sinete. Em seguida, estafetas foram enviados para entregar as cartas. Fizeram a jornada de dez dias em apenas um.
Sendo informados da pressa dos mensageiros e vendo que seu plano começava a tomar forma, Achashverosh e Haman sentaram-se para celebrar, brindando ao sucesso da empreitada.
O povo de Shushan, entretanto, estava confuso. O rei despachara seus mensageiros por todo o reino, embora houvesse tempo suficiente. Era um sinal certo de que o rei estava ansioso sobre alguma coisa. Caso contrário, por que a pressa? Ainda faltavam onze meses até o dia 13 de Adar. A confusão aumentou ao se espalharem os rumores, e as pessoas sentiam-se inseguras sobre o futuro.
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