Embora a vida no palácio parecesse agora ter voltado ao normal, sob essa calmaria problemas já fermentavam. Dois dos guardas do rei, Bigtan e Têresh, tornaram-se hostis a Achashverosh, e planejaram assassiná-lo.

"Olhe o que o rei Achashverosh nos fez" – Bigtan sibilou ao colega. "Desde que este sujeito, Mordechai, foi indicado para conselheiro real, temos sido rebaixados. Sabe o que este judeu Mordechai tem feito? Julga os casos de acordo com a lei judaica, sempre que é consultado por judeus. Que desgraça! Como se nossas leis não fossem boas o suficiente."

"Pois é" – disse Têresh, rilhando os dentes – "Mordechai apoderou-se de nossos empregos e agora é o encarregado da guarda pessoal do rei. Fomos estacionados aqui para supervisionar os aposentos do rei. Que trabalho miserável, ficar em pé o dia todo. Haman tem sido fiel a nós e tentou argumentar em nossa defesa, mas em vão."

"Nossa má sorte é por culpa da rainha" – continuou Têresh. Foi ela quem aconselhou o rei a nomear Mordechai."

Bigtan olhou intencionalmente para o amigo.

"Sabe, esse trio petulante está me dando nos nervos. Digo a você, devemos agir rápido e dar um fim neles."
Bigtan e Têresh tinham uma queixa adicional contra o rei. Eram parentes de Vashti e haviam emigrado da Babilônia para Shushan quando fora aprisionada.

"Creio que chegou a hora de vingar a morte de Vashti" – sussurrou Têresh. Os dois traidores tinham tudo planejado. Iriam assassinar o rei, declarando que o haviam feito por ordens de Mordechai. Como este fosse seu superior, não tiveram outra escolha a não ser obedecer. Mordechai então teria um fim bem triste.

Bigtan e Têresh tinham esperança de conseguir outra vantagem ao matar Achashverosh. Acabara de irromper uma guerra entre Pérsia e Grécia. O campo de batalha era distante, mas Bigtan e Têresh tinham certeza de que, caso pudessem entregar a cabeça de Achashverosh aos gregos, seriam recompensados com fama e posições de destaque.

Enquanto discutiam os detalhes de sua trama, Bigtan e Têresh mal perceberam que Mordechai estava ouvindo a conversa. Quando notaram sua presença, Bigtan rapidamente fez sinal a Têresh para calar-se, mas este desprezou seu aviso.

"Ele não pode entender uma palavra do que falamos" – riu. "Acha mesmo que Mordechai pode falar tarso, nossa língua nativa?"

Os dois continuaram a tramar, descuidadamente supondo que Mordechai não tinha a mínima idéia do que falavam. Estavam errados. Como um dos requisitos para servir ao San’hedrin, Mordechai precisava saber os setenta idiomas do mundo civilizado. Era tão bem versado neles que o povo o chamava de "Balshan", i.e., o "Poliglota".

Mordechai não perdeu tempo. "A Torá nos ordena que sejamos patrióticos e que rezemos pelo bem do governo" – pensou. "Embora eu saiba que o rei não é lá grande amigo dos judeus, é minha obrigação informá-lo desse conluio."

"Além disso" – concluiu Mordechai – "se o rei for assassinado tão pouco tempo após a coroação de Ester e de minha nomeação para o palácio, poderemos ambos ser suspeitos de traição."

Mordechai passou a informação a Ester, querendo que ela ganhasse o crédito por salvar a vida do rei. Ester, entretanto, reportou tudo ao rei em nome de Mordechai.

Após completa investigação, Bigtan e Têresh foram acusados de um complô para envenenar o rei. Haman, seu bom amigo, tentou em vão salvá-los. Apesar de seus esforços, foram condenados à morte.
Ao assistir os dois pendendo no cadafalso, Haman crispou as mãos com ódio. Culpou Mordechai pela execução de seus amigos e jurou vingança.

Ester não obedecera as instruções de Mordechai para reivindicar o crédito pela descoberta da conspiração. Como não queria que ele soubesse que o tinha desobedecido, conseguiu que o nobre ato de Mordechai não fosse recompensado de imediato.

Ester chamou os escribas reais e ordenou-lhes que registrassem o incidente nos arquivos do palácio. Deveriam anotar que Mordechai merecia uma grande recompensa por salvar a vida do rei.

Acontece que os escribas eram ninguém menos que os filhos de Haman, e fizeram o possível para distorcer a descrição do evento. Mas a verdade pode ser esticada apenas até um certo limite. Por fim, os arquivos do rei declaravam que Mordechai havia salvado a vida do rei e que não recebera uma recompensa.

Na verdade, os eventos todos eram dirigidos por D’us. O rei não daria a recompensa a Mordechai naquele dia, mas quando chegou a hora, este incidente seria bem útil.