A rainha Vashti olhou para os folguedos e franziu a testa. Ela não gostava de ser superada."Deverei eu, a filha de um rei, ser ofuscada por um plebeu? Como ousa ele competir com a verdadeira realeza? Farei uma festa especial para as mulheres, que será em cada detalhe tão extravagante como a do rei."

Vashti chamou as criadas e instruiu-as a se prepararem para seu banquete. Intencionalmente, procurou moças judias e fê-las trabalhar no Shabat. Ela sempre gostara de forçar os judeus a profanar seu sagrado dia de descanso.

A festa de Vashti foi preparada, e o palácio, transformado numa imensa e resplandecente exibição de extravagância. O sétimo dia do banquete de Shushan era também Shabat. O rei não havia comido ou bebido muito até este último dia porque estava se concentrando em exibir seu poderio. Como bom anfitrião, apenas beliscava, passando a maior parte do tempo com os convidados. No sétimo dia, porém, após ter providenciado todas as necessidades de seus hóspedes e haver ostentado toda sua riqueza, juntou-se aos folgazões.

Todos os cortesãos estavam se gabando sobre a beleza de suas mulheres. Uma discussão amigável irrompeu, sobre se as mulheres persas ou se as medeanas eram as mais belas.

A essa altura, Achashverosh, que estava bastante bêbado, interrompeu a conversa com um rugido. "Minha mulher não é persa nem medeana; é da Babilônia, mas nenhuma é tão bela quanto ela. Se não me acreditam, vou mostrá-la a vocês."

"Certamente" – zombaram os cortesãos – "vista a mais feia das mulheres como uma rainha e parecerá linda. Isso não prova nada."

"Isso é o que vocês pensam" – retorquiu o rei. "Mostrarei a vocês que ela é linda mesmo sem roupa." Com isso, voltou-se aos ministros e disse: "Tragam-me a rainha Vashti – vestindo nada além da coroa real."
Numerosas pessoas perceberam que o rei estava embriagado, mas tiveram medo de desobedecê-lo. Ele mandou empregados comuns para chamar Vashti, em vez de oficiais importantes. Parecia quase que a intenção era prendê-la como um criminoso qualquer. Porém, apesar do insulto implícito, ninguém ousou desafiar as ordens do rei.

Ninguém, exceto a própria rainha. Quando ouviu o pedido ultrajante do rei, ficou estupefata. "Que tipo de palhaçada era esta? E se ele a exibisse defronte aos cortesãos e todos zombassem dela? Jamais seria capaz de mostrar seu rosto novamente!

"O rei gosta apenas de minha beleza, não de mim" – pensou Vashti. "Por que devo degradar-me por ele? Quem pensa que é? Sou muito superior a ele, sendo de linhagem real. Como ousa me ridicularizar assim?"

Desgostosa, Vashti enviou sua recusa nos termos mais enfáticos através dos criados. "Vão e digam ao palerma de seu amo que na casa de meu pai, Belshatsar, ele não seria suficientemente bom nem para limpar os estábulos! Seus tolos débeis-mentais! Não percebem que sou a rainha Vashti, filha dos reis da Babilônia? Se tivessem conhecido meu pai, perceberiam que Achashverosh é um joão-ninguém. Meu pai poderia beber dez vezes mais que este amo de vocês, mas jamais teria dado uma ordem tão ultrajante!"

Ao ouvir esta resposta, Achashverosh mandou um ministro do mais alto escalão com mensagem igualmente forte para Vashti: "Olhe bem o que está fazendo! Obedeça minhas ordens e apresente-se perante meus convidados ou ficará amargamente arrependida!"

A mensagem foi transmitida, mas a rainha a ignorou. "Volte para seu rei bêbado" – replicou – "e diga-lhe que suas idéias são absurdas. Sou a filha do grande rei Belshatsar, neta do famoso Nevuchadnêtsar, conquistador do mundo. Não serei humilhada dessa forma!

"Aquele tolo não percebe que está apenas prejudicando a si mesmo? Vai transformar-nos em motivo de pilhéria em Shushan. Nem mesmo um idiota forçaria sua mulher a desnudar-se em público."

A rainha Vashti estava na verdade mais preocupada com seu orgulho que com seu recato. Mesmo assim, sentiu uma real ameaça no aviso do rei.

"Se o rei insiste em que eu apareça perante as pessoas, quero cobrir meu corpo ao menos com um véu" – mandou dizer pelos cortesãos.

O rei não concordou.

"Irei sem o véu, mas não me envergonhe fazendo-me usar a coroa."

Novamente o soberano recusou. Ele não queria que seus convidados pensassem que substituíra a rainha por uma escrava.

Finalmente, Vashti rendeu-se. Embora o rei estivesse se comportando de forma irracional, relutantemente concordou em aparecer sem roupa. Preparando-se para comparecer ao banquete real, deu uma rápida olhada no espelho.

O que viu quase fê-la desmaiar. Uma horrível erupção havia brotado em todo seu corpo. O que poderia fazer? Não seria possível aparecer como o rei havia ordenado. Procurando desesperadamente por uma desculpa, finalmente escreveu uma mensagem e a mandou ao rei.

A nota dizia: "Não posso acreditar que você tenha mesmo dado essa ordem. Estou certa que o mensageiro deve ter interpretado mal suas palavras. Como não ouvi a ordem de seus lábios, não irei."

Lendo o recado, o rei explodiu em fúria. Ela estava zombando dele na presença dos cortesãos. Se sua própria mulher se recusava a obedecer às suas ordens, como poderia governar um reino?

Achashverosh tentou reprimir a ira, mas essa irrompeu fora de controle, como uma onda de fogo. Assim mesmo, fez um esforço enorme para acalmar-se, porque na verdade não queria que nada de drástico acontecesse a Vashti. Afinal, era sua esposa e rainha.

O rei estava terrivelmente aborrecido. Como pudera fazer algo tão tolo? Por causa de sua embria-guez, sua amada rainha Vashti estava agora em grande perigo.

Achashverosh fora subitamente mergulhado num dilema que ele mesmo criara. Não podia simplesmente ignorar o episódio por completo e continuar sua diversão. Mesmo assim, não desejava ir em frente com sua ameaça. Precisava discutir o assunto com seus conselheiros e esperava que inventassem algum plano inteligente para salvar tanto seu orgulho como sua rainha.

O rei Achashverosh pediu conselho a sete príncipes da Pérsia e Medéa que lhe eram mais chegados. Estes homens representavam as várias partes do reino. Carshená, encarregado dos estábulos reais e do gado, viera da África. Shêter, da Índia, tomava conta das adegas reais. Admatá, da Europa Ocidental, dirigia toda a criadagem. Tarshish, do Egito, cuidava dos membros da família real. Mêres, Marsená e Memuchan eram de Jerusalém. Por serem conhecidos como conselheiros profissionais, foram colocados para chefiar os outros.
O rei pediu aos sete ministros para aconselhá-lo sobre um castigo para uma rainha que desobedeça ao rei.
Não queria de forma alguma que sugerissem uma sentença de morte. Apesar disso, Vashti havia sido extremamente desrespeitosa, por isso não poderia perdoá-la ele mesmo, abertamente. Fazê-lo implicaria confessar que era um rei incapaz de defender sua própria honra. Mas se seus melhores conselheiros sugerissem que a perdoasse, Achashverosh salvaria seu orgulho aceitando o perdão, desde que sugerido por eles.

O rei escolheu as palavras cuidadosamente, insinuando aos conselheiros que gostaria de um julgamento favorável à rainha.

"O que deve ser feito com a rainha Vashti, que desobedeceu às ordens do rei, trazidas a ela por meus mensageiros?" – perguntou o soberano.

Achashverosh estava na verdade dizendo: "Julguem-na como uma rainha, não como uma plebéia. Lembrem-se de que fiz um exigência imprópria e não dei a ordem pessoalmente, mas mandei-a por mensageiros.
Além disso, todos sabem que eu tinha bebido. Deve receber algum castigo, mas não a morte. Tenham consideração, pois a vida de minha rainha está em suas mãos." Achashverosh olhou esperançosamente para os ministros. Eles se mexiam constrangidamente em seus lugares. Embora o rei estivesse obviamente pedindo suas opiniões, não estavam bem certos sobre como reagir.

"Devemos condená-la e colocar o orgulho do rei num pedestal, como ele sempre quis?" – refletiam. "Ou deveremos sugerir o perdão e o esquecimento, ao mesmo tempo em que possivelmente provocaremos a ira do rei?"

Os ministros não haviam entendido as insinuações do rei, e temiam dar voz às suas opiniões.

Todos menos um. Era Memuchan, também conhecido como Haman. Provavelmente entendia as intenções do rei, mas tinha seus próprios interesses em mente. Guardava um ressentimento pessoal contra Vashti, que fizera de tudo para humilhá-lo. Quando Vashti convidara todas as senhoras de Shushan para sua festa, havia negligenciado a esposa de Haman.

"Que oportunidade perfeita para vingar-me dela" – pensou Haman com satisfação. "Com Vashti fora do caminho, minha linda filha tornar-se-á a candidata mais provável a rainha."

Havia ainda algo mais incomodando Haman, e causando-lhe grande ansiedade e ódio com relação a Vashti. Os astrólogos reais haviam lhe dito que a esposa do rei o mataria no futuro. Achando que suas predições referiam-se a Vashti, Haman estava muito ansioso para se ver livre dela.

Dessa maneira, foi Memuchan, aliás Haman, que descaradamente, destacou-se da fileira de ministros silentes, expondo sua opinião em primeiro lugar.

"Devo aconselhar o rei a não julgar Vashti apenas em relação a si mesmo" – começou. "Ela ofendeu não apenas ao rei, mas a cada homem em todo o reino. Não há maneira de escapar à responsabilidade.
"Sabem como as histórias são deturpadas conforme são passadas adiante. O povo não conhecerá todos os detalhes. As mulheres ouvirão que a rainha foi perdoada após desrespeitar o rei, e tentarão imitá-la. O status dos homens no reino será rebaixado, e ficarão furiosos. Se o rei não punir Vashti por desrespeito, o que poderão os plebeus fazer com suas próprias esposas?"

Memuchan fez uma pausa e olhou à sua volta. Os ministros pareciam aliviados, gratos a ele por haver falado. Até mesmo o rei estava escutando. Na verdade, não parecia estar gostando, mas estava atento. Memuchan continuou cautelosamente.

"Pode ser possível justificar as ações de Vashti" – disse ele – "mas deve ser condenada à morte devido à maneira pela qual humilhou o rei. Se for poupada, o mundo não saberá de suas desculpas e justificativas. O povo saberá apenas que Vashti mostrou extremo desrespeito pelo rei e foi perdoada."

Em seguida, Memuchan apelou para a vaidade do rei. "Vashti é uma mulher teimosa, cheia de orgulho, e jamais reconhecerá que Sua Majestade é seu amo. Se não foi capaz de mudá-la após todo esse tempo, nunca o fará, não importa quanto possa puni-la.

"Se deixá-la viver, Majestade, nunca será respeitado no reino. Acabou de dispender todo este dinheiro num banquete para ganhar o respeito universal; um ato de Vashti poderá desfazer isso tudo."

O humor do rei havia claramente mudado. Memuchan tivera sucesso em reacender sua fúria.

Memuchan notou com grande prazer que o rei inclinava a cabeça em concordância. Percebeu, porém, que deveria agir rápido no caso do instável rei Achashverosh mudar de idéia novamente. "Majestade" – continuou – "como Vashti cometeu tamanha ofensa ao rei e ao império, deve agir antes que a notícia se espalhe. Deve assinar imediatamente uma ordem sentenciando Vashti à morte.

"Deve também proclamar que uma esposa precisa obedecer o marido, não importa o que lhe ordene. Esta proclamação deve ser inscrita nas leis da Pérsia e da Medéa. Se marido e mulher são de nacionalidades diferentes, todos da casa devem falar o idioma do marido. Uma esposa não deveria de forma alguma contrariar os desejos do marido.

"Tudo isso deve ser expresso nos termos mais enfáticos possíveis num decreto real, e enviado a todos os cantos do reino. Porém, a lei será inútil se Vashti não for morta. Deixe que sua punição sirva de exemplo a todas as mulheres do reino."

O rei concordou furiosamente. Todos os ministros soltaram um suspiro de alívio, e parecia que o assunto estava concluído.

Entretanto, Haman tinha ainda uma preocupação. "Suponha" – pensou medrosamente – "que Vashti vai até o rei e o convence a perdoá-la." Isso não poderia acontecer, pois ele, Haman, teria conseguido uma inimiga poderosa para toda a vida. Vashti certamente procuraria vingança sobre ele por havê-la denunciado.

O tortuoso Haman achou uma jeito de evitar esse perigo também. "É também importante, Majestade" – disse firmemente – "decretar que ninguém possa vir à presença do rei sem sua permissão. Caso contrário, Vashti pode aproximar-se do rei e implorar por sua vida. Se tiver clemência, Sua Majestade destruirá o reino inteiro."

Haman persuadiu o rei a jurar pelas leis da Pérsia e Medéa que Vashti nunca mais seria admitida em sua presença. Mesmo um rei não ousaria violar tal juramento e, dessa forma, Haman assegurou-se que a sentença de morte seria levada a termo.

"Também aconselho o rei a expedir uma explicação oficial sobre a execução de Vashti, declarando: ‘Esta mulher era uma rainha e uma filha da realeza, mas está sendo publicamente executada por desobedecer ao rei. Que esta seja uma lição para todos.’

"Não se preocupe, Majestade, não apenas seu reino será beneficiado, mas sua pessoa também, quando se casar novamente. Se o rei mandou matar sua primeira mulher por desobediência, a segunda esposa será muito cuidadosa para não faltar-lhe ao respeito de maneira alguma.

"Se tudo isso for feito, todas as mulheres do reino respeitarão seus maridos, tanto os poderosos como os humildes. Mesmo o homem mais simples será como um rei em sua própria casa. E até a senhora mais poderosa dará ouvidos ao marido."

Murmúrios de concordância e aprovação encheram a sala da corte, para grande prazer de Memuchan.

"Bravo!"

"Brilhante discurso!"

"Magnificamente exposto!"

Mais que qualquer outra coisa, os ministros ficaram satisfeitos pelo fato de que Memuchan tomaria a culpa se mais tarde a condenação da rainha provocasse a ira do rei.

Logo em seguida, Vashti foi executada. Pergaminhos foram enviados a todos os países do reino, selados com o anel de sinete do rei. Cada pergaminho fora escrito no idioma e alfabeto do país ao qual se destinava. Cada qual continha uma proclamação real de que todo homem deveria ser senhor de sua casa, e que a esposa deveria falar o idioma do marido, em sinal de respeito a ele.

De acordo com a lei ora expedida, se uma mulher não se comportasse respeitosamente para com o marido, este seria forçado a denunciá-la, e a sentença seria a morte. "Que decreto ridículo" – zombou o povo quando soube. "Mesmo que minha mulher me desobedeça, jamais a denunciaria" – protestou alguém na multidão.

"O rei está contratando detetives particulares?" – alguém mais escarneceu.

As pessoas deram de ombros e foram cuidar de suas vidas. Ao contrário do plano de Haman, o decreto não foi obedecido, e isso diminuiu a importância de uma proclamação real aos olhos do povo. Isso provou ser muito benéfico para os judeus.